sexta-feira

A voz do conhecimento - Miguel Ruiz


Como tem sucedido sempre que apanho os textos deste senhor, gosto.

A voz do conhecimento é um livro que começa por nos falar da história de Adão e Eva. A famosa história.
Nessa história existem duas árvores: a árvore da vida e a árvore do conhecimento.

Eu adoro ouvir interpretações diferentes destas histórias que tantos nem colocam em causa. Adoro ver a mesma coisa de muitas maneiras, que acabam sempre por se complementar e oferecer um colorido cada vez mais completo e especial, a histórias que aparentemente se encerravam numa leitura linear.

No livre "A história secreta do mundo" Existe outra interpretação incrívelmente diferente para este episódio, que eu posso chamar mito, embora não queira com isso dizer que não é real.

A verdade é que para mim, os mitos são mais reais do que a realidade aparente e parcial a que chamamos habitualmente "realidade".

Dizia então o Miguel Ruiz que no génesis Deus teria dito a Adão e Eva, os humanos primordiais, nós na nossa inocência, nós sempre que um de nós nasce; que existiam no jardim do Éden duas árvores especiais, cujos frutos tinham efeitos bem diferentes.
Se comessemos o fruto da árvore da vida, viveríamos para sempre, mas se comessemos o fruto da árvore do conhecimento, podíamos morrer.

Eu, que tive uma formação católica apostólica romana, em grande medida semeada no meu espírito pela minha avó, nem de propósito chamada Maria do Céu, cuja memória amo profundamente e para sempre... mas dizia eu, que entendi sempre esta metáfora como a apologia do dogma.
Tentar saber demais... podíamos morrer, era ultrapassar o limite desenhado.
Ela contava-me também uma história, uma história de um Santo (não sou boa a fixar nomes) que queria muito compreender o mistério da Sta trindade. Como podia Deus ser uno e três? Contava-me ela que o santo viu um menino na praia, numa praia cheia de estrelas do mar na areia, e que o menino atirava uma a uma para o mar.
O Santo, com ternura, ter-lhe-á tentado fazer ver, que aquela era uma tarefa inglória. Era impossível atirar todas aquelas estrelas ao mar.
Ao que o menino, afinal um anjo, lhe terá respondido antes de desaparecer no éter:
- É tão possivel eu atirar todas as estrelas ao mar, como tu compreenderes a santíssima trindade.

:-)

Curiosamente, vim a ouvir outra versão da história das estrelas do mar, em que o menino já era velhinho e alguém o terá visto na mesma praia cheia de estrelas do mar na areia, atirando uma a uma para a água.
Desta vez o santo era o menino velhinho, ou pelo menos o brilho estava com ele.
Quando lhe tentaram fazer ver que era inglório estar ali a tentar salvar aquelas estrelas todas, o velhinho terá sacado do seu mais brilhante, inocente e doce sorriso para demonstrar:
- "Estás a ver esta estrela?" - E atirando-a ao mar - "Esta já salvei!!"

A primeira história defende o dogma, a segunda história defende o poder do gesto aparentemente pequeno, mas que faz toda a diferença, num encorajamento à acção, mesmo quando tudo parece perdido. O mesmo cenário, a mesma situação, duas leituras tão diferentes.

Com o Génesis, também é assim.
A árvore do conhecimento podia matar, a outra dava a vida eterna.
Malucos por desafios, com o olhar deslumbrado dos nossos primeiros anos, queremos descobrir tudo, e lá fomos à árvore do conhecimento, onde estava escondido um anjo caído, na figura tão mal-tratada da cobra.
O problema da árvore do conhecimento, não era o conhecimento em si, mas a cobra, o engano, a mentira que se embrulha no conhecimento, aprisionando os inocentes a uma rede de mentiras exponenciais, que o retiram do paraíso do tempo em que simplesmente vivia.

Quando nascemos, somos esse Adão, essa Eva que nada sabe de nudez, que se sente bem consigo, e vive o momento presente para sempre. E que se ri e chora só sem mais nada. E que toca e olha e sente, com o deslumbramento inocente de quem acaba de chegar ao paraíso.
Depois, aprendemos imensa coisa, cada vez mais coisas.
Mas o preço é que na nossa inocência também acreditamos na mentira. A mentira do nojo da nossa nudez, a mentira do quanto não somos o suficiente para merecer o amor de Deus no paraíso, do quanto merecemos uma punição, do quanto teremos de penar para voltar a merecer estar em paz, no Éden de nos amarmos sem sequer termos de saber o que é isso. O amor de Deus é a imagem da paz completa, da integração plena com o todo e essa integração foge, deixa de ser atributo de todos os Adões e Evas do mundo, e refugia-se então nas barbas brancas de um pai atento, misericordioso, tão, tão difícil de re-incorporar.

E no entanto é mentira.
É uma mentira antiga, que anjos caídos reformulam, baralham e voltam a dar, geração após geração.

Na árvore da vida, é só isso, é a vida. A plenitude que o paraíso é, e tem, e significa e que é eterno, por ser sempre presente.

Não é que a árvore do conhecimento seja em si má. Não haveria imperfeição, não fosse um erro de interpretação, uma mentira cujo actor veio contar vezes sem conta.
Então o conhecimento é como uma ferramenta, algo que às vezes serve, porque nos melhora, nos leva mais longe e nos alimenta, mas sempre que nos amarfanha, denegride, e faz sentir impuro, imperfeito, incapaz, inútil, impróprio... nesses momentos deixou de ser o conhecimento da árvore, passou a ser a mentira sibilante, as mil e muitas vozes do nosso inconsciente colectivo a fermentar culpas desde o início dos tempos.

É uma tese interessante.
A outra que ouvi, conto noutro dia. Deliciosa, por sinal. O da história secreta do mundo.
Hoje fiquei-me pelo Miguel Ruiz. Em audible, claro!

2 comentários:

  1. Olá boa tarde.
    Vim parar a este blog por mero acaso, depois de andar a passear por alguns sites relacionados com gravidez e reparei que a nossa data prevista para o parto é a mesma. Quero dizer-lhe que apreciei muito o que aqui li...gosto bastante da sua forma de escrever.
    Desejo-lhe tudo de bom.

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