domingo

O trapézio com uma rede fraquinha

Estou exausta! Estou de tal forma exausta que até me custa dizer que estou exausta. Tenho a cabeça, o corpo e tudo num estado extremo de canseira.
E estou contente.

Viemos para o Montijo, de forma mais ou menos estável. Trouxe todas as minhas coisas indispensáveis para mim. Foi muito cansativo, o Álvaro ia-se matando de tanto carregar com coisas debaixo do sol. E eu percebi.

Percebi que há umas semanas atingi o meu limite físico e fui parar ao hospital paralizada por uma cintura de dor e recebi o meu castiguinho de repouso forçado.
Desta vez fui ao limite psicológico e este também foi um momento importante porque tomei consciência de que andava a aguentar uma pressão e um desamparo muito grandes. Verdadeiramente eu estava a padecer de solidão.
Não estive com ninguém nem de dia, nem de noite durante duas semanas, a não ser encontros de fugida, como o que tive com a Mariana João... mas estive muitas horas, muitos dias, muitas noites, a ter de ficar em casa, sem me mexer, sem ver ninguém, em circuito fechado... e atingi o meu limite.

Neste momento está tudo igual. A pressão é a mesma, a bagunça, a impotência perante a avalanche de coisas. Estou exausta e estou com uma semana pela frente em que me pergunto ainda como irei conseguir dar a volta a tanta coisa.
A enorme diferença é que neste momento estou sentada na casa projecto, tudo o que mais preciso está aqui, a minha bicharada anda aqui pelos espaços autorizados a tentar perceber que novo cenário é este... e mais importante, aqui, na cadeira ao lado, com ar moribundo de cansaço, aqui perto que se esticar um braço posso tocar-lhe no cotovelo; está o Álvaro.

E isso muda tudo.

quarta-feira

Um gato danado

Está endoidecido! Faz sons que parecem de outro mundo, corre maluco, esbarra-se com as coisas...


Tudo começou porque eu tinha uma caixa na banheira onde umas cebolas tinham apodrecido e eu tinha aquilo ali para lavar com lexívia.
O raio do gato insistia em ir cheirar aquilo e eu não gosto que me pressionem para lavar caixas sujas de cebola quando quero escrever acerca da vida, do cosmos e do universo.
Por isso enchi a banheira com 2 cm de água em todo o fundo, a ver se ele não ia mais para lá.

E foi então que sua excelência: Trufas! Mesmo no meio da água e começou a correr sem êxito porque só patinava, e quanto mais patinava mais chapinhava e mais escorregava e foi aquele desespero!

Corri para o ir buscar porque o cosmos já tinha sido interrompido de toda a maneira; e nesse momento ele conseguiu projectar-se para fora da banheira, seguido de um rasto de água e completamente esbugalhado, com as orelhas para trás e a cauda em direitura de guerra!

Deu em correr por aqui fora, numa maluqueira de caos agitado e a berrar e a fazer uma coreografia e canto estapafúrdeos que aliás continua...

Este gato às vezes supera-se.

Quarta feira

Cá vou no barco. No barco de existir.
Quando ia no carro... no carro de conduzir, no trajecto permitido entre a minha casa da qual ainda não mudei, para o centro comercial que continua a salvar-me do mais terrível e profundo dos tédios pré-mamã....ai.. o que é que eu estava a dizer?

Ia eu no carro, quando vi que a aranha continua lá. O Aracnídeo. O tal que não me passou cartão quando meti conversa uns tópicos lá em baixo...

Estava menos contido, hoje. Mais participativo. Já se deve estar a habituar ao "para cá e para lá" do carro, pendurado do retrovisor por uma teia fininha e brilhante à qual ele deu o surpreendente nome de "teia".
Giro, que estes bichos se atenham tanto ao que É.

Partilhei com o Aracnídeo que estava com imenso sono e que não estava a sentir-me propriamente em extase místico... havia um não sei quê de lugar errado na hora errada.
E ri-me porque ele respondeu-me:
"O quê?? E tu já olhaste bem para mim? Pendurado em 10 cm de teia a abanar?? Tu achas mesmo que foi para isto que a natureza se fez em mim??"

Estava todo encolhido. Bem agarradinho... ensonado também.

Para mim tem sido verdade que quanto mais tento perceber qual é o meu lugar na criação, menos me consigo ver. Fico desfocada, como uma má fotografia.
Quando aceito as condições contratuais na cláusula dificil de cumprir:

" o segundo outorgante (eu) aceita que vai viver uma vida que se conta a si mesma, e guardar sempre uma área significativa em si para se deixar surpreender pelo resultado."

E eu assinei aquilo!!!

Ora estava eu a ouvir um livrito chamado In praise of stay-at-home-moms escrito por uma senhora "acalorada das ideias", a Dra Laura Schlessinger; e dei comigo em mais um desses momentos de estupfacção...

Como é que da primeira outorgância do meu contrato de vida, vem esta ideia de me fazerem crescer e ser criada por veneradores oficiais e convictos da carreira e da segurança que a carreira dá, e de trabalhar, e de ir para o trabalho e de tudo isso... que a mim nunca me disse nada... o que é culturalmente vergonhoso eu dizer, porque nasci em 74... porque se eu tivesse nascido em 1852 isso faria de mim a mais trivial das boas mulheres....

Mas como é que a primeira outorgância me coloca então no colo de uma família de convictos seguidores da religião da carreira e do progresso profissional... para depois, me fazer ouvir aos meus 35 anos, uma senhora chamada Laura dizer:

- Uma casa perfeita, não é uma casa perfeitamente limpa e arrumada. Ninguém se sente confortável numa casa acéptica e onde tudo está perfeitamente arrumado. Estar em casa é um trabalho a tempo inteiro, não porque tenha de espanar o dia inteiro. Não tem nada a ver isso. Isso além de criar ressentimento, cria mulheres insuportáveis e sem nada de interessante para dar ou dizer.
Para ter uma casa perfeita pense o que é que as pessoas precisam de sentir numa casa para se sentirem verdadeiramente "em casa" e bem, fisica, emocional, espiritualmente. O que é que as pessoas verdadeiramente precisam de sentir para ser sempre tão bom estar nessa casa?
E depois entregue todo o seu potencial a isso.

E eu... aquilo caíu-me. Deu-me vontade de mandar uma carta á direcção.

"Mas essa sou eu!" Eu sou a pessoa que não quer passar o dia a espanar, mas quer estar disponível e fazer com que quem vive comigo entre nos meus espaços e sinta que tem aí todo o alimento físico, psiquico e espiritual, para se sentir bem, para crescer, e para querer sempre voltar! Essa sou eu!"


E ouvi um risinho em surdina das primeiras outorgâncias neste momento de síntese que o meu mapa das estrelas mostrava desde que respirei a primeira vez.
Até o Aracnídeo se agitou na teia quando lhe contei tudo isto. Espaço à surpresa em plena evidência... Ver mesmo antes de ter visto, mas só poder ver depois de ver...

aai... estas dioptrias que o cosmos insiste em não distribuir na terra... com tanto fornecedor desocupado, com tanta gente á procura de um nicho de mercado...
...
A minha aranha sabe...
Eu, acredito em magia. E acredito em mim. E nunca duvidei de que alguma coisa disto tudo havia de fazer sentido.

O que não me entra é ter de passar por este rasgo de clarividência por uma senhora gritante chamada Schlessinger!
...
Safa!

terça-feira

Antes e depois e os Pequeninos


Aqui está o "Antes". A linha que separa o cabelo loiro do cabelo escuro marca o dia em que fiz um teste de gravidez e deu positivo. Pinturas de cabelo desde então... Esquecer.


Quando vi a fotografia que a Maria João me tirou, tive a imagem clara do que se passava com a minha figura, e não deu para abstrair. Foi então que passei pelo episódio hilariante de "Como escolher uma tinta para cabelo" pela mão de um funcionário nervoso, a quem eu nem tinha pedido ajuda, mas que se enervou de me ver ali a ler indicações de mil embalagens possíveis.



Os pequeninos, na mesma passeata que a Maria João fotografou. :-) Sempre alerta!

segunda-feira

Perder e evoluir

Pronto.. teve de ser. Depois de aturadas pesquisas lá encontrei o leitor de mp3 que me acompanhará de futuro.

Não é coisa pouca, porque o mp3 para mim não é um gadget que uso para me distrair e ouvir música.
O leitor de mp3 tem sido o meu elo com vozes que me têm feito tão bem, e ajudado tanto a crescer e perceber e aprender tanta coisa, que se tornou uma parte importante dos meus dias. Não o aparelho em si, mas a minha ligação com os autores que publicaram estes ficheiros que posso ouvir.

Neste momento estou a colocar os primeiros audibles no novo leitor. Alguns novos, outros que oiço e torno a ouvir simplesmente por me fazerem bem.

Alguém perguntará?
_ Mas faz algum sentido ouvir várias vezes seguidas a mesma coisa??

E eu pergunto:
- Mas alguém é poupado a ter de ouvir milhões de vezes as mesmas coisas?
Eu pelo menos escolho o que oiço repetido. E a verdade é que isso faz mesmo toda a diferença!

sábado

Uma azia impossível

Esta está a ser a parte menos boa, da parte bonita que tenho vivido com alegria e com serenidade.
Estou com 5 meses e algumas semanas de gravidez, na altura que devia ser a parte boa, na altura em que supostamente se sente energia, o corpo ainda não pesa, ainda dá para preparar o enxoval e essas coisas.. e depois quando vem o terceiro trimestre... uns dizem que é às 28 semanas, outros às 26... não me importa; importa que não é agora; nessa altura sim começam os incómodos, o excesso de peso...

No livro que li dizia que com 5 meses é normal ter azia e pés inchados. Tanto mais que é Verão, está calor à brava, e eu estou entregue à inércia forçada, por ordem do Sr. Dr. :-)

A verdade é que me sinto abatida por diversas razões, num mix de coisas pequenas, que juntas me deixam abatida, acho que justificadamente:

- Insónias, durmo, acordo, durmo, acordo... xixi a meio da noite, horas sem dormir, depois adormeço quase de manhã, depois acordo tarde... Quando me levanto pareço massa para rissóis depois de passar o rolo.

- Azia, socorro, é um ardor horrível e que acaba provocando dor de arder tantas vezes seguidas. Como piora deitada, deitar-me tem mais tempero adicionado, além da insónia...

- Pés inchados.. pouco, não me posso queixar muito. Podia ser pior, é só um bocadinho e até se manifesta mais sob a forma de pés muito quentes quando estou a tentar dormir.

- Tensão baixa. No fim de semana duvidámos da sanidade da máquina. 8 de máxima 3 de mínima... não é confortável. Faz parte deste todo coerente.

- Sensação de peso, dor nas costas, respiração demasiado superficial.


O tempo passa rápido e devagar.
Quando penso nestas 24 semanas, elas voaram. Mas cada uma custou a passar, quando eu estava lá.
Lembro-me do que demorou a passar a 4ª, a 5ª semana, a 8ª, a 10ª... uma a uma lá se foram sucedendo e fico espantada quando penso que vou na 24ª
Faltam 16 até ao eventual grande dia (nunca dá para saber isto ao certo) Já vou a mais de metade, mas como é sempre a crescer, parece que o tempo dilata para a frente e encurta para trás.

Estou desconfortável. Tenho imensa coisa por fazer que não posso fazer. Sinto-me impotente perante tudo isso, e bastante desconfortável, e no entanto não me sinto com grande espaço cá dentro para me queixar porque uma espécie de censura interna cala-me logo:
- "Olha lá! Então mas isto não era o que mais querias? Tu não terías dado tudo há uns meses para saber que hoje o teu único problema era estares a sentir-te assim, mas pela razão de que tens uma bebé aí a crescer e bem?? Estás numa situação abençoada! Tens o que precisas, está tudo a correr bem... pronto, tens uns desconfortos, mas que raio! Aguenta-se tudo bem, quando se está contente!!"

E isto também é verdade.

Neste momento a bebé dá chutos na minha bexiga e tenho os pés inchados poisados em cima das chinelas que não aguento calçar. A azia tirou-me da cama onde tentava descansar.
Tenho a boca ferida, respiro mal deitada, arde-me o esófago, doem-me as costas, tenho calor, estou feita num oito. Mas estou feliz. ok? pode ser assim?


.........

Disturbing element

O Wayne Dyer é um de 4 filhos de uma mãe que foi deixada pelo marido com os miúdos todos por criar. O pai, sem uma explicação, e sem deixar uma pensão ou forma de ajuda foi embora e nunca mais disse nada.
Incapaz de manter 4 filhos pequenos, a mãe teve de os dar para adopção, ficando dois num lado e dois num outro, aquilo a que os americanos chamam Fosters care e que são casas de adopção, das quais umas maravilhosas, outras verdadeiros filmes de terror.

O Wayne no azar teve sorte. A senhora responsável pela sua casa era preocupada com as suas crianças, não queria que elas se sentissem muito diferentes das outras e gostava que elas se sentissem tão protegidas e integradas como a maioria das crianças com pai e mãe.

Um dia o Wayne Dyer chegou à sua casa de adopção muito choroso e zangado e queixou-se à responsável que tinha ouvido uma conversa entre o professor e o director e que ele tinha ouvido eles a dizerem que o Wayne era um Scurvy elephant. E ele estava profundamente ofendido por se ver insultado.
No dia seguinte a responsável foi à escola saber que história era essa de andarem a dizer que o seu Wayne era um Scurvy elephant o que deixou o director perplexo. "Scurvy Elephant??! Mas ninguém disse que o Wayne era um Scurvy Elephant. O que me disseram é que o Wayne era um disturbing element..."

O wayne contava isto a rir. Esta história vinha a propósito do facto de que ele sempre se tinha sentido um elemento destabilizador, realmente. Não só por ser um menino zangado, por ter sido abandonado por uma figura importante para si e por causa disso ser privado da mãe e toda essa história horrível. Ele era destabilizador, porque nunca se contentava com respostas sumárias do tipo "as coisas são assim porque são." E isso podia ser cansativo para quem tentava enfiar-lhe coisas na cabeça, o que em grande medida a educação formal é.

Eu ouvi esta história no meu recém falecido leitorzinho de mp3, a caminhar no paredão e tinha, afortunadamente o meu lenço ao pescoço, que usei para cobrir a cara, porque me ri imenso. Muito giro ouvir o próprio autor a falar das suas coisas.

Então eu pensei que não fui educada a pôr em causa, nem tive à minha volta nenhum estímulo positivo ou negativo para o fazer. Os meus referenciais eram todos pessoas cumpridoras, e as que não eram ou não tinham sido tinham a vida num farrapo. Assim a mensagem era coerente.
Mesmo o meu pai que tinha um baú de histórias de rebeldias de jovem, era agora um homem pousado, que vingava no trabalho tudo o que eventualmente sentisse, que nunca ninguém chegou a tocar, a não ser telepaticamente para quem tivesse esse talento. A rebeldia fizera parte de um tempo em que ele era profundamente infeliz e desestruturado e a estrutura que agora o mantinha coeso, era o facto de ser para lá do cumpridor.

Não me lembro de alguma vez me ter fascinado pela ideia de que houvesse tanta coisa a pôr em causa em tudo o que todos pareciam saber. Nem me lembro de sentir que houvesse muito mais a descobrir.

O Wayne foi sempre um questionador. E os questionadores costumam sofrer imenso, porque prolongam a idade dos porquês por tantos anos, que tem de ser cansativo.
Entretanto cresceu, formou-se, casou... o percurso, enfim...
Até que soube da morte do pai. O pai tinha morrido, estava enterrado algures.
E ele sentiu uma vontade forte de ir lá, uma coisa que não era mórbida, era uma espécie de sede de certeza. Talvez tivesse de literalmente pôr uma pedra nesse assunto. E lá foi.

Foi uma perda de fortíssimo impacto ele perder a pessoa na qual tinha podido investir todo o seu não perdão, toda a sua ira, toda a sua indignação na vida. Aquela era a pessoa responsável por tudo o que ele não tinha tido, não tinha sido, não tinha podido. E agora estava ali, insondável debaixo da terra.

Depois de muitas horas a olhar para aquele cenário de silêncio onde existiam tantas vozes interiores de raiva, e de perda e de confusão que vinham dele tão menino até agora; o Wayne sentiu o impulso de escrever. Ele nunca tinha publicado nada. Mas em 14 dias escreveu o livro "As suas zonas erróneas" e depois desse "as suas zonas mágicas" e "as suas zonas sagradas".
Estes foram 3 livros publicados em Portugal ela Pergaminho.

Ler estes 3 livros é como assistir a um homem a acordar.
Este acordar não é o acordar de que acordamos todas as manhãs para viver as muitas realidades simultâneas do dia. Ainda hoje percebi que todo o caminho que fiz para ir comer e procurar um leitor de mp3; passei-as no dentista. É verdade. Mantive sempre um diálogo mental com o dentista. E quando dei por mim estava lá. Isto não é estar acordado.
Estar acordado é esse caír em si, em que de súbito nos apercebemos onde estamos, o que estamos a fazer, e a nossa situação nesse momento à luz de uma clareza sem passado nem futuro. Foi o que sucedeu ao Wayne.
Esses 3 livros contam esse acordar. Foi uma tomada de consciência por escrito e para mim foi delicioso conhecer esse processo.

Escusado será dizer que depois deste o Wayne já escreveu uma pazada de livros, bestsellers inquestionáveis, e palpita-me que não vai parar tão cedo.

Ler estes livros coincidiu com um tempo em que eu também me sentia acordar. Talvez nem tivesse escolhido estes livros se não fosse o caso. Nessa altura eu só lia romances e coisas sobre o que estivesse a estudar na universidade.

Lembro-me de pensar que se apesar de nunca ter sido uma pessoa questionadora, no sentido de não me contentar com aquilo que me era apresentado como realidade; também não fui uma criança contente e satisfeita com as respostas que tinha.
Se eu tivesse de usar 3 palavras para definir a minha infância e adolescência eu escolheria:
Solidão, segurança, melancolia.
É a impressão que tenho de todo esse tempo.
Eu impludi as minhas questões. Não estava satisfeita, mas não tinha ao meu redor ninguém que pudesse responder, ou que desse conta de que eu às vezes estava triste. Eu vivia no meu quarto de espelhos onde era suposto tudo ser perfeito, e se eu não achava perfeito era melhor estar calada, porque era eu que estava errada, óbviamente.

As pessoas que mais gosto de ouvir, e as que mais me inspiram e com que mais me identifico e me sinto igual, são aquelas que quando ouvem uma explicação ainda ficam mais baralhadas.

Como no livro "uma breve história acerca de tudo" em que o autor conta que quando via aqueles diagramas a explicar o interior do nosso planeta, as camadas, e aqueles desenhos das galáxias e a matéria inquestionável da escola, ele ficava atónito. O que ele queria realmente saber era: Como é que se pode saber isto?? Como é que se pode saber como era o mundo dos homens primitivos, como é que se pode saber como é o átomo, como é que se pode saber como é o centro do nosso planeta? Como é que se pode ter a certeza? Como é que me podem ensinar isto de forma tão garantida?
E estas eram as suas reais questões. Another Scurvy elephant, portanto...

Este é um dos traços do Álvaro que eu também adoro. Ele também sempre foi totalmente Scurvy Elephant. E viveu essa consternação e ainda vive. E é por isso que às vezes lhe custa tanto lidar com a mediocridade e com o não questionar do quotidiano de tanta, tanta gente.

Aquilo a que eu chamava "a minha desadequação" e que me fazia sentir uma adolescente frustrada porque de popular eu não tinha nem sequer a motivação, quanto mais a roupa... e que me fazia sentir uma jovem mulher sem lugar no "mundo dos grandes" porque eu não tinha ambições de carreira, nem nenhuma motivação para a concorrência, a luta e a maluqueira da correria em que via os "bem sucedidos".. essa mesma desadequação, vim a chamar-lhe o que tenho de melhor.

Eu sou capaz de me ter tornado um disturbing element, por ter sempre vivido de uma forma que me deixa só, sim. Solidão, segurança e melancolia. Mas tudo isso de uma forma que tem hoje outro sentido.

Estou só quando estou comigo, e comigo não é possível estar só, porque existe aqui dentro um fervilhar de mundo, que só quem vive aqui dentro para saber. Estou só se estiver entre quem não tenha nada para dizer de inspirador. Porque junto de pessoas bonitas, inspiradoras e questionadoras, eu não estou só, estou entre iguais.

Estou segura, porque percebi que não há segurança, não entrego a minha vida a esse deus inexistente, o que me assegura de que tudo será sempre assim, como é. A única coisa de que tenho mesmo a certeza é de que nada do que hoje define o meu dia, estará igual daqui a uns tempos. E isso significa que não gasto um quinhão da minha energia a preservar essa tal pseudo-segurança. A minha segurança tem de estar onde a minha paz de espírito estiver e essa, como nome indica, depende do que tenho dentro, e de nada do que tenho fora.

A melancolia, essa transformou-se em mel. Já não é um longo e suave lamentar. Passou a ser uma mistura doce e salgada, de lágrimas com que cresci e de doçura que também vivi; e dessa receita mágica veio a nascer uma mulher de quem gosto, e que afortunadamente, sou eu.

Então as conversas, as notícias, a lufa-lufa, os temas, as crises, as febres e as modas e as razões de viver que me rodeiam como um rádio roufenho; eu simplesmente não consigo integrar isso. É como um eletrodoméstico que guina e que quando por momentos se silencia me faz suspirar aaahhh... de alívio. É a realidade a que eu pertenceria se não fosse um disturbing element.
Aqui, neste mundo, só há um pré-requisito para entrar. Uma frase que li há imensos anos no livro As aventuras de João sem medo de josé Gomes Ferreira.
Era uma frase que estava escrita num muro que rodeava uma terrível floresta de perigos e enigmas, e a frase dizia assim:

- É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir.

A bateria frita

Ontem fritei a bateria do meu leitorzinho de mp3, o tal onde ouvi os meus audibles, o tal que me fez tanta companhia e andou comigo de dia e de noite a estabelecer uma ligação entre mim e autores maravilhosos do mundo inteiro.
Fritou.
Pronto.

Fui saber de um modelo igual, a marca era Creative, tanto quanto sei lider de mercado nestas coisas em conjunto com os ipods da apple.
Eis senão quando, faliu. Caput. Não posso compreender. Tinham mil modelos de todas as cores, tamanhos e preços. De repente chego à worten e a prateleira tinha Phillips, tinha Sony, tinha mesmo uma marca chamada Golfinho! Mas nada de Creative.

Fui ver o site da creative e está vivo e de boa saúde, mas quando procurei modelos à venda na net tinham 6 modelos, segundo me disseram os funcionaários das lojas onde procurei, a Creative está a tentar acabar com o que ainda tem, mas não estão a fabricar mais.
...No site não diz nada disso, nem refere nenhum momento mais sombrio, bem pelo contrário... mas o meu modelo de leitor de mp3 esse é que não há em lado nenhum.

Assim, faço aqui uma homenagem póstuma ao meu leitorzinho, e palavra que estou chateada com isto, e gostava muito dele, porque tinha lá dentro horas e horas de horas de coisas que adorei ouvir, muitas das quais uma data de vezes, e aprendia sempre alguma coisa nova de cada vez que ouvia.

Então cá deixo as minhas memórias em discurso fúnebre:

- Antes eram os livros. Lia-os no metro, no comboio e no café. Chorava e ria e as prateleiras queixavam-se de eu me andar a esticar. Livros bons nunca abaixo dos 16€, a média nos 20€ e eu a precisar de óculos. Era uma renda empitosgante (empitosgante: acto ou efeito de empitosgar, que provoca o efeito de deixar pitosga).

- Foi então que apareceram os audibles, foi a Helena que mos trouxe do éter do desconhecimento e eu ouvi, gostei e fiz um primeiro download. Ganhei 3 livros pela inscrição.
No dia seguinte, fui passear no paredão, a olhar para o mar, lenço ao pescoço por causa do reumático, mas principalmente porque adoro lenços ao pescoço e lá fui.
Comecei pelo Wayne Dyer. Conhecia o Wayne Dyer da pergaminho.

A minha lojinha onde tudo é dado

Hoje fui ver se o domínio já existia, porque recebi um mail da entidade que regula essas coisas e lá está ele. Em construção, claro. Eu ainda nem tenho acesso ao back office para a construir.

Mas deu-me ternura ver.

www.paraoferta.com.pt

:-)

Vai ser divertido. Quando não tem de ser mais nada do que divertido, já se fica contente só com a perspectiva.

sexta-feira

Fiquei a pensar

Sobre a árvore do conhecimento (uns quantos tópicos abaixo) o desafio que a árvore nos lança não é pequeno e já outras tradições nos tinham proposto isso.

Será que conseguimos a façanha de tentar conhecer sem nunca ganharmos certeza do que aprendemos? Deixar sempre um lugar tão grande à dúvida que possamos ir sempre sabendo mais mas sempre deixando espaço a que nada seja como vemos, e tudo esteja ainda por compreender?

Não apenas no que toca à ciência, ao conhecimento formal. Mas ao que achamos que conhecemos de nós, dos outros, das regras que regem as nossas vidas, as nossas prisões e as nossas compensações. Tudo isso em que nos movemos sem nos darmos conta de que vivemos conhecimento erróneo misturado com aprendizagem.

Pôr em causa tudo o que sabemos de nós mesmos, é dar lugar a sermos sempre a potencialidade de tudo como da primeira vez, tudo por contar, por escrever, por aprender.

Como no éden. Como num eterno mundo novo.

Há coisas que eu não posso aceitar




Que um gato seja giro... pronto, vá lá.
Que seja bonito.. a maior parte dos felinos são mesmo muito bonitos.
Que seja meigo... bom... colinhos, também nunca foram espinhos para ninguém.
Que tenha as travadinhas da meia noite em que é possuído pelo demónio calcinhas e fica doido... pronto..
Que me faça companhia e ande atrás de mim, e durma como se estivesse no céu e acorde como se lá continuasse... os gatos são meio Zen, realmente,...
Que me faça rir assim que acordo de manhã, e que me aninhe quando estou triste, e que seja suficientemente dono do seu nariz para dormir em cada noite onde bem lhe apetece... vá, independência felina.

Agora o que eu não posso aceitar, é que este bichano, consiga concentrar tanta coisa de ternura e piada e inteligência tola e esperta; que... não está certo! Porque dá nervos ver.
Dá nervos ver como ataca sonolento a cauda da Loba que é 7 vezes o seu tamanho, e dá nervos ver como consegue estratégicamente esperar nos lugares certos para se esgueirar e ir ver as gaiolas onde os passarinhos são a sua tv particular de predador controlado.
E, apetece estrafegar. Apetece fazer-lhe a folha e apertá-lo todo.

parvo!

Como é que se pode ser assim?! Caramba!
Há coisas que eu não posso aceitar.

Então eis o que eu fiz

Acontece-me de andar dias e semanas com ideias malucas na cabeça, e que custam a ir embora, e que devolvo às camadas do esquecimento por atribuição de absurdo, mas que voltam a propósito disto e daquilo, para me assombrar como uma anedota que nos faz rir sozinhos na paragem do autocarro.

Foi o que aconteceu desta vez, também. Chateada com a minha inércia imposta pela ordem médica que escolhi cumprir... (estas semi-liberdades presas, na liberdade de escolher estar preso nessa liberdade...enfim)
A casa cheia de coisas, eu cheia de tempo e falha de movimento, com o desafio de me sentir atenta, de me sentir entregue ao processo deste momento que é assim e pronto.

Tudo se juntou.

Não faço a menor ideia do porquê disto, não faço a menor ideia de que lógica possa presidir a este impulso, e realmente interessa-me pouco, a comparar com o divertimento cociguinhas que me provoca dentro, o contentamento de andar nestas andanças malucas.

Resolvi iniciar dois projectos.
Um e outro.
:-)

Um foi mandar imprimir cartões de visita, bonitos de morrer, que encontrei na net por preço acessível e que vão servir para entregar a 250 pessoas bonitas a forma de me encontrarem aqui e ali, sem me perderem da rede de estar junto.
A outra foi criar uma loja, onde tudo é dado.

Ambos os projectos me estão a divertir imenso e a encher de alegria.

No projecto um, pode ler-se no meu cartão, que tem a pintura de um coração, o meu nome e a minha presente função: mãe, dona de casa e autora (autora do meu mundo, óbviamente)
E na loja vou colocar com ternura fotografias e conteúdos acerca de tudo o que tenho para dar, e que envio com prazer, pelo preço do envio, a quem mo solicitar... em Portugal, provavelmente.

Livros, Cd's, roupa, brinquedos,... eu bem tinha dito. A minha casa é uma montra e eu não quero viver mergulhada num oceano de artigos para venda.

Então preparo a encomendinha e envio à cobrança.

É tão delicioso que mal posso esperar.
Já tenho o domínio, falta-me o backoffice. Depois dou notícias.

Eis o que eu fiz.

Papel, função e afirmação

Às vezes parece que somos uma impressão de off set, feita por sedimentação de muitas camadas de impressão, até ficar bem complexo e confuso o resultado.
A impressão é exterior ao papel, é algo que lhe acontece, ser impresso.
Existe uma película que não chamei filtro porque pouco filtra, que separa de forma diáfana e vaga o dentro e o fora e onde a impressão se dá, de forma tão "sempre", tão absoluta e simbiótica que torna muito difícil encontrar a camada, a parte, onde podemos ir à impressão e apagar; essa parte da históra.

Em lugar de apagar, outras camadas sedimentam imagens e imagens de nós mesmos, numa maneira de estar e sentir o dentro, que é visceral e consequente.

Alguns acontecimentos marcam com tons mais fortes, que aparecem sempre à superfície das novas porções de nós, com coloridos que vão alterando um pouco, o significado mas não o acontecimento em si.

E do dentro, do dentro translúcido e "desimpressionado" da nossa génese profunda, grita ainda surda e perdida uma voz cujo grito se propaga em ecos longínquos, puros e belíssimos, de um tempo espaço agora, em que existe Eu sem nada que me diga quem eu sou.

Essa sedimentação, esse acumular de histórias que me conto sobre mim mesma a propósito da vida que "me acontece" a mim que "sou esta", é uma forma de crescimento que chamo crescer, que chamo maturidade, mas que pode não ser nem uma coisa, nem outra, e ser apenas o fogo de artifício da minha fricção dolorosa e sofrida com o mundo mentira que as minhas versões-mentira do mundo que fazem sentir a cada novo embate, a cada nova oportunidade perdida de ver o quanto estou a ficar longe de mim.

Digo: Tenho esta impressão do mundo, mas o mundo é que me tem, na impressão que fez em mim que penso que vejo e afinal estive sempre cega para o que existia de mim aqui.

Tem sido sempre assim. E eu sei, porque o resultado no coração apertado de quem tenta viver esses filmes, é esta pequenez de recursos de dentro, esta mesquinha versão da minha historinha sofrida de mulher pequena grande que ficou na primeira letra da frase que tinha uma vida para escrever, mas não escreveu.
Ficou na primeira letra e outros continuaram a frase por ela e ela limitou-se a ler e a tentar concordar; o que foi sempre mais fácil à superfície perdida, do que no dentro ancorado ao momento 1 do mais brilhante de mim.

Eu tenho um papel. Tenho uma função e afirmo que tudo isto até agora, foi uma espécie de grande alteração de humor, uma espécie de síndrome pré-menstrual que durou todo o tempo que havia e foi.
Nesta fracção fugidia, neste microsegundo de uma quase respiração que faço, eu tenho um papel limpo, uma função clara, um espaço translúcido por onde passa a luz que trouxe, quando um dia nasci da força colossal da vida do mundo, cria das mãos loucas e doces da históra deste meu cosmos-planeta.

E nesse papel, e nessa função, acorda brotando um fogo novo, que deixa de ser meu, porque serve para colorir o mundo. Da cor que eu, desta vez escolher, para oferecer.

A voz do conhecimento - Miguel Ruiz


Como tem sucedido sempre que apanho os textos deste senhor, gosto.

A voz do conhecimento é um livro que começa por nos falar da história de Adão e Eva. A famosa história.
Nessa história existem duas árvores: a árvore da vida e a árvore do conhecimento.

Eu adoro ouvir interpretações diferentes destas histórias que tantos nem colocam em causa. Adoro ver a mesma coisa de muitas maneiras, que acabam sempre por se complementar e oferecer um colorido cada vez mais completo e especial, a histórias que aparentemente se encerravam numa leitura linear.

No livre "A história secreta do mundo" Existe outra interpretação incrívelmente diferente para este episódio, que eu posso chamar mito, embora não queira com isso dizer que não é real.

A verdade é que para mim, os mitos são mais reais do que a realidade aparente e parcial a que chamamos habitualmente "realidade".

Dizia então o Miguel Ruiz que no génesis Deus teria dito a Adão e Eva, os humanos primordiais, nós na nossa inocência, nós sempre que um de nós nasce; que existiam no jardim do Éden duas árvores especiais, cujos frutos tinham efeitos bem diferentes.
Se comessemos o fruto da árvore da vida, viveríamos para sempre, mas se comessemos o fruto da árvore do conhecimento, podíamos morrer.

Eu, que tive uma formação católica apostólica romana, em grande medida semeada no meu espírito pela minha avó, nem de propósito chamada Maria do Céu, cuja memória amo profundamente e para sempre... mas dizia eu, que entendi sempre esta metáfora como a apologia do dogma.
Tentar saber demais... podíamos morrer, era ultrapassar o limite desenhado.
Ela contava-me também uma história, uma história de um Santo (não sou boa a fixar nomes) que queria muito compreender o mistério da Sta trindade. Como podia Deus ser uno e três? Contava-me ela que o santo viu um menino na praia, numa praia cheia de estrelas do mar na areia, e que o menino atirava uma a uma para o mar.
O Santo, com ternura, ter-lhe-á tentado fazer ver, que aquela era uma tarefa inglória. Era impossível atirar todas aquelas estrelas ao mar.
Ao que o menino, afinal um anjo, lhe terá respondido antes de desaparecer no éter:
- É tão possivel eu atirar todas as estrelas ao mar, como tu compreenderes a santíssima trindade.

:-)

Curiosamente, vim a ouvir outra versão da história das estrelas do mar, em que o menino já era velhinho e alguém o terá visto na mesma praia cheia de estrelas do mar na areia, atirando uma a uma para a água.
Desta vez o santo era o menino velhinho, ou pelo menos o brilho estava com ele.
Quando lhe tentaram fazer ver que era inglório estar ali a tentar salvar aquelas estrelas todas, o velhinho terá sacado do seu mais brilhante, inocente e doce sorriso para demonstrar:
- "Estás a ver esta estrela?" - E atirando-a ao mar - "Esta já salvei!!"

A primeira história defende o dogma, a segunda história defende o poder do gesto aparentemente pequeno, mas que faz toda a diferença, num encorajamento à acção, mesmo quando tudo parece perdido. O mesmo cenário, a mesma situação, duas leituras tão diferentes.

Com o Génesis, também é assim.
A árvore do conhecimento podia matar, a outra dava a vida eterna.
Malucos por desafios, com o olhar deslumbrado dos nossos primeiros anos, queremos descobrir tudo, e lá fomos à árvore do conhecimento, onde estava escondido um anjo caído, na figura tão mal-tratada da cobra.
O problema da árvore do conhecimento, não era o conhecimento em si, mas a cobra, o engano, a mentira que se embrulha no conhecimento, aprisionando os inocentes a uma rede de mentiras exponenciais, que o retiram do paraíso do tempo em que simplesmente vivia.

Quando nascemos, somos esse Adão, essa Eva que nada sabe de nudez, que se sente bem consigo, e vive o momento presente para sempre. E que se ri e chora só sem mais nada. E que toca e olha e sente, com o deslumbramento inocente de quem acaba de chegar ao paraíso.
Depois, aprendemos imensa coisa, cada vez mais coisas.
Mas o preço é que na nossa inocência também acreditamos na mentira. A mentira do nojo da nossa nudez, a mentira do quanto não somos o suficiente para merecer o amor de Deus no paraíso, do quanto merecemos uma punição, do quanto teremos de penar para voltar a merecer estar em paz, no Éden de nos amarmos sem sequer termos de saber o que é isso. O amor de Deus é a imagem da paz completa, da integração plena com o todo e essa integração foge, deixa de ser atributo de todos os Adões e Evas do mundo, e refugia-se então nas barbas brancas de um pai atento, misericordioso, tão, tão difícil de re-incorporar.

E no entanto é mentira.
É uma mentira antiga, que anjos caídos reformulam, baralham e voltam a dar, geração após geração.

Na árvore da vida, é só isso, é a vida. A plenitude que o paraíso é, e tem, e significa e que é eterno, por ser sempre presente.

Não é que a árvore do conhecimento seja em si má. Não haveria imperfeição, não fosse um erro de interpretação, uma mentira cujo actor veio contar vezes sem conta.
Então o conhecimento é como uma ferramenta, algo que às vezes serve, porque nos melhora, nos leva mais longe e nos alimenta, mas sempre que nos amarfanha, denegride, e faz sentir impuro, imperfeito, incapaz, inútil, impróprio... nesses momentos deixou de ser o conhecimento da árvore, passou a ser a mentira sibilante, as mil e muitas vozes do nosso inconsciente colectivo a fermentar culpas desde o início dos tempos.

É uma tese interessante.
A outra que ouvi, conto noutro dia. Deliciosa, por sinal. O da história secreta do mundo.
Hoje fiquei-me pelo Miguel Ruiz. Em audible, claro!

quinta-feira

Os audibles

Audibles são ficheiros que se ouvem em Cd ou mp3 e nos quais podem vir livros, workshops, seminários e que neste momento já conta com uma grande variedade de títulos.

Quem mos apresentou foi a Helena Cristina, e eu resisti imenso tempo. Achava uma modernice tola e não compreendia o conceito. Eu sempre adorei livros, e nunca gostei que mos lessem, porque não são muitas as pessoas com capacidade para ler de uma forma interessante, e de resto isso aprende-se nas escolas de actores que, supostamente, trabalharam a dicção e a voz.

O caso foi que um dia, ela enviou-me um mp3 para eu ouvir, e eu numa insónia chata acabei por pegar naquilo e adorei! Foi formidável.

Elegi o site www.audible.com porque tinha imensos títulos, muitos dos quais nas minhas áreas de interesse e era acessível. Por 7 dollars por mês eu podia comprar um audible por mês independentemente do valor que ele efectivamente tivesse.
Comprei por 7 dollars livros que a amazon vendia por 30 e mais.
Além disso, ler implicava parar, sentar-me e dar atenção apenas ao livro. Muitas vezes cansava-me a vista e exigia-me que lesse apenas em boas condições de descanso e luz.
Eu sempre adorei ler antes de dormir, nos transportes... mas em casa, por exemplo, não me dava jeito. Achava sempre outras coisas para fazer.

Os audibles podem ser ouvidos no escuro, a lavar a loiça, a caminhar à beira mar.
Pude ler livros a conduzir. Pude aprender imensa coisa enquanto limpava o pó aos móveis, mudava o comedouro dos bichos e via as pessoas lá fora a passar na rua.
Assisti em workshop de 10 e 20 horas, realizados por pessoas maravilhosas pelo mundo fora, por 7 dollars.

De longe os audibles foram a minha maior fonte de transformação pessoal, depois da vida em si :-)
Alguns audibles ouvi várias vezes seguidas, não porque fossem assim tão novos ou extraordinários no que diziam, mas porque eram a minha compensação saudável a todo o ruído e lixo que eu ouvia e ouvira repetidamente a minha vida inteira.
Ouvir pessoas bonitas a falar de coisas importantes, inteligente, profundas e construtivas, horas e horas a fio, era de certeza a melhor coisa que eu podia fazer por mim.

Cortei com noticiários, filmes violentos, cortei com a televisão quase toda, escolhi ler ensaios que realmente me explicassem as coisas do mundo, ensaios, estudos, coisas mais perenes e fundamentadas do que a cacofonia dos nossos meios de comunicação.
Ouvi meses e anos de mestres, professores, poetas, estudiosos. Horas e horas e horas de sabedoria, ou pelo menos da tentativa honesta e bem intencionada de compreender melhor, num sentido construtivo, amoroso e belo.

Ainda agora é com os audibles que aprendo sempre tanto.
Além de aprender inglês :-) que é uma vantagem colateral.

Isto para dizer, que quero agradecer ao mundo a existência dos audibles, o meu acesso a eles e a iniciativa de todos os autores e distribuidores que têm feito esse trabalho, de tornar audível para o mundo, a preços acessíveis, toda essa informação.

Está a ser um trabalho maravilhoso.

quarta-feira

Rumi

Dois poemas lindos para ouvir, do Rumi.

(Clicar no símbolo de Play, para ouvir... e esperar uns segundos... é sempre o mesmo truque com os vídeos e a música. Primeiro espera-se em Pause que carregue o máximo, senão sai tudo bochechado)



MusicPlaylist
MySpace Playlist at MixPod.com

A maravilha já estava lá

Quando penso em tanta coisa que pedi, em tanto desespero que senti, tanta falta de calma e de esperança.
A maravilha já estava toda ali.
E o meu medo de filha, o meu medo de mãe, o meu medo de irmã.
A maravilha já estava toda ali.
Também existiam os desafios que pareciam tudo.
As prioridades que pareciam sê-lo.
E lembro-me de correr para esses sois errados.
A maravilha já estava toda ali.

Também não importa.
Agora cá estou eu, preocupando-me, pensando em mil formas de resolver os meus dias.
Sabe-se lá quem me leva neste carrinho em que eu só finjo que guio.
A maravilha já está toda aqui.
E eu posso saber isso, e posso sentir isso.
Basta-me parar de pensar tanto.
Calar-me um bocado.
E perceber.

Um filme bonito com música bonita

Dica: Deixar carregar em pause até estar completo.

um bicho novo

Hoje ganhámos mais um animal de companhia.
A minha família ainda não sabe.
Mas depois digo-lhes.

Foi quando fui de carro ao centro comercial aqui perto comer que a vi, pendurada do retrovisor, uma aranha mínima, encolhida e a dançar como noutros carros vejo um terço.
No meu era uma aranha.
Uma minúscula aranha pendurada a baloiçar de um finíssimo fio de teia.

Perguntei-lhe como se chamava e ela respondeu-me pomposamente "Aracnídeo". Assim à laia de não me dar confiança. Fiquei na mesma. Como ela ficaria se eu me apresentasse como hominídeo.
Não achei simpático.
Mas também se compreende, ela estava sossegada a dormir e eu iniciei um percurso estranho em que sem saír do lugar onde estava pendurada, ela viajou a 50 e 60 quilómetros hora, toda a abanar, num trajecto que provavelmente não percebeu e que a devolveu sempre ao mesmo lugar.
Deve ter sido bizarro e ela achou que não devia dar-me confiança. Não fosse eu aquela que leva as almas na barca estranha para o outro lado. Livra!!

Aracnídeo... muito bem... muito me contas...
Olha, eu sou a Sofia, e estou no meu carrito, que parece que agora também é teu... E talvez isso não te diga grande coisa de mim. Nem sequer olhas para a minha cara. Provavelmente não a verias se a visses, e provavelmente se a visses não saberias que é uma cara e para que serve.

Sabes o que eu pareço? Aquele do poste..
"O senhor dá-me lume?"
Eu não bebi... Amanhã começa a minha 24 semana de gestação e tu não imaginas o que é andar 40 semanas com a barriga a crescer para nascer só uma cria que vai precisar de mim para tudo o que possas imaginar.

O aracnídeo, talvez percebesse então que sou fêmea, mas não me disse mais nada.
Ficou a baloiçar brilhante do meu retrovisor e eu lá fui, a sentir-lhe a presença, atenta ao camião á frente e ao mundo ao meu redor.

Deve ser chato uma gestação rápida, de milhares de crias, que entre outas coisas nos podem comer.
Não fui sensível no tema de conversa que escolhi.

O aracnídeo teve razão desde o início. Não me devia ter dado confiança. Muito menos antes de eu tomar o pequeno almoço, que é sempre um periodo do dia em que não estou no meu melhor.
A esta altura anda lá, no volante, ou sei lá onde... a ser aracnídeo. Com menos macacos na cabeça que eu, e com uma percepção do mundo tão ou mais legítima que a minha.
A teia no retrovisor, talvez a fazer um desenho brilhante numa ponte entre o tablier e o retrovisor.
Todas as criaturas tentam fazer algo brilhante.

Eu também queria ser capaz, mas neste momento só queria conseguir ir dormir em paz.

Birra para dormir

Os miúdos fazem isso. Birra para dormir. Parece que quanto mais cansados estão, menos querem ir dormir.
Dormir deixa-nos vulneráveis e é-nos indispensável. É um mix de gosto duvidoso. Desde sempre, no sono estamos vulneráveis porque viajamos num barco doido, que nos leva para um mundo diferente e nos tira daqui.
Fica o nosso corpo sozinho, abandonado ao metabolismo mínimo, com os sentidos neutralizados e a respirar apenas o suficiente para não morrer.

E no entanto morre-se um pouco. Morre-se para esse dia. Morre-se para quem se foi nesse dia. Sai-se do meio físico e vai-se para um meio onírico onde as regras são outras e de onde voltamos horas depois, iguais e diferentes, porque nunca nada é igual.

Os miúdos não pensam em nada disto. Quando estão muito cansados fazem birra porque estão frustrados e, frustrados fazem resistência a tudo, principalmente se tudo for dormir, serenar, entregar, deixar ser.
Nós inventamos mil coisas, damos nome às nossas faltas de serenidade. Eu digo que não quero ir para a cama porque tenho medo de dormir aqui sozinha, tenho medo dos assaltos, da violência, do absurdo do mundo.
Gosto de dormir, mas gosto mais de estar vigilante, com o telefone por perto, como os outros gostavam de ter a fogueira por perto, pela noite fora, não fosse alguma fera lembrar-se de se armar em esperta.

Não gosto de ir dormir quando me sinto vulnerável. Chateia-me ter sono. Queria ir dormir quando estivesse contente e a sentir-me completamente segura.
O mundo... é seguro?
É.
Quando é.
Outras vezes não é.
E eu nunca sei quando são essas vezes.
Excepto que por uma questão de probabilidades, é altamente improvável que hoje o meu mundo seja mais inseguro do que em tantos milhares de noites em que já dormi em paz.

Mas é uma coisa esquisita. Que me cola à cadeira e não me deixa ir, dormir.
Fica a luz acesa tantas horas, para dizer:
- Olhem que aqui estamos acordados, estamos alerta.
E eu vou dormir.
com o telefone ao lado.
just in case....


Somos miúdos indefesos a vida toda.

Co-dependência

Não sei se a co-dependência é uma doença ou um estado. Um estado que se prolonga por vezes vidas inteiras e que se torna um hábito mental, uma forma de estar no mundo que acaba por nos constituir e confundir com o que sentimos de nós mesmos.

Não sei se é uma adição, não sei se é vitalícia, a única coisa vitalícia que vi até hoje foi a vida. Mas acredito que tenha raízes mergulhadas na profundidade da nossa génese, do nosso crescimento, e que seja portanto muito difícil de desmobilizar, desmontar e dizer: Isto sou eu, e isto é a co-dependencia que dispo agora.

Ser difícil não significa: Logo, impossível. Significa: Logo, exige disciplina, consciência e muita verdade. E pode levar tempo, e ter recidivas...

A vida, a saúde e a doença, são palavras como co-dependência, liberdade e amor.
Tentamos dar nomes às coisas, mas não sabemos o que são. Vivêmo-las e rotulamo-las para podermos falar sobre elas. Há que manter a humildade. Estamos em grande medida impossibilitados de as entender em termos universais, porque eventualmente estes nem sequer são conceitos universais.

Eu sei que cresci a confundir ser amada com ter o poder de dar ao outro uma felicidade impossível.
Aliás já foi para isso que sequer nasci, e eu nem sabia. Mas fui feita nascer, porque uma menina querida morreu de uma forma estúpida e ninguém podia apagar essa dor, mas quem sabe ofuscar com a vinda de outra. E lá vim eu, tentar o impossível.

É muito cansativo, tentar que os outros fiquem felizes por nosso intermédio. Quando os outros andam nas suas vidas, e precisam das suas respostas, e só as podem ter neles mesmos... e isso fazia-me sentir sempre à parte da narrativa principal. Eu era a parte que não podia ter problemas, tinha de fazer parte da parte boa.

A palavra co-dependência vem habitualmente das casas onde existem dependentes, adictos oficiais ou menos oficiais, mas suficientemente desequilibrados ou negligentes para se notar em algum ponto da história. Mas não tem de ser sempre assim. Basta esse equívoco de base.
- Se conseguires fazer feliz aquela pessoa impossível de fazer feliz, és a pessoa mais poderosa do mundo. E esse poder tem o nome: Amor.
... uma bela treta!
:-)

Um dia a minha filha de 9 anos estava a fazer uma birra gigantesca. A birra nº5544447585444 das férias. Eu estava muito cansada. Tentei de tudo para que ela se sentisse bem. E depois lá acordei para o óbvio.
Eu, simplesmente, não tenho o poder de fazer ninguém feliz. Nem tenho de ter. Nem ninguém tem esse poder para comigo. A felicidade é um hábito mental que se cria por dentro, que se tem por dentro, e que nunca depende de nada de fora.

Eu posso estar mesmo zangada e a achar que tenho imensa razão. Mas objectivamente a minha zanga nada tem a ver com o que me possam fazer. Tem sempre a ver com o que decido fazer com isso, e essa decisão não é feita em consciência. É um hábito, uma maneira de estar que se confunde com uma maneira de ser.

Se ela estava frustrada, chateada e a querer amolar toda a gente ao seu redor... Eu tive de lhe dizer: Eu não tenho o poder de mudar nada do que sentes. Vais ter de decidir o que fazer com isso. Podes continuar assim horas, dias ou a vida inteira. Podes mudar isso agora e ir brincar. Eu não posso agarrar no teu cérebro, carregar nuns botões e mudar o jogo que estás a jogar na tua cabeça.
Eu não tenho esse poder.

E ela respondeu:
- Mas às vezes fazes.
E eu respondi:
- Tu relacionas eu fazer uma coisa com tu ficares feliz, mas eu hoje já fiz as mesmas mil coisas e nenhuma resultou, porque não depende de mim. Depende do que tu fazes com o que o dia te dá.

Este diálogo, foi depois de muitas horas de eu andar de esquema em esquema, a imaginar estratégias que podiam resultar, a tentar mobilizar o mundo à minha volta em função da minha imagem do que uma família feliz devia ser.

É muito difícil aceitar que não temos qualquer poder sobre o que o outro sente. Mas é óbvio que até sobre o que sentimos é difícil ter algum poder. E a lógica seguinte é a de que o outro nos pode dar felicidade, como uma prenda que se oferece.
Mas se não tivermos dentro uma forma de estar na vida que nos permita aceitar a oferta simples de se estar bem e em paz... nada que alguem faça nos tira do peito a dor de estarmos habituados a sofrer by default.

Essa é que é essa.
Chamem-lhe co-dependência, chamem-lhe o que for.
Para mim chama-se gaiola de um amor de faz de conta, um filme de terror. E não vale nada.
Amar realmente é ver o outro completo, na dor ou na alegria, na morte ou na vida, e respeitarmos o que ele decida viver, ser ou perder. Respeitar na certeza de que a outra pessoa tem sobre si mesma, o mesmo poder que tivermos para com o nosso mundinho de dentro...
Quando nos entregamos ao torvelinho de resolver o mundo dos outros acontecem duas coisas inevitáveis:
1) Não conseguimos.
2) A nossa vida vai ao ar.

:-) Simples.
Doi.
Mas é assim.

Pontapés na barriga


A imagem de um pontapé na barriga não parece uma imagem agradável.
As palavras só por si não dizem nada. Precisam do contexto e dependem da nossa interpretação subjectiva.

Se alguém me perguntasse há uns tempos se eu queria um pontapé na barriga, eu diria logo que não, claro!!

E agora cá estou eu, feliz com essa sensação de pontapé na barriga. E outro. E outro.
:-)
Quem mos dá é um feto. É uma pessoa em miniatura, que já é menina, e que pesa 594 gramas. Eu vi-a numa ecografia e até a vi a dar esse chutinhos. E são valentes, daqueles dados com o corpo todo como aprendem os samurais.

Chutos dados na água, já perdem algum fulgor, essa é a parte boa.
Os músculos também ainda só estão a aprender a ser músculo e por isso estes chutos não são para doer, não trazem ódio, não se podem ver de fora. Só eu é que sei.

Tentar explicar como é é mesmo muito difícil, as sensações do corpo são difíceis de explicar a quem não as tenha tido, e por isso é que os sentidos são tão preciosos.

Estes chutinhos não chegam a ser dor, seríam um desconforto mas não são, porque os amamos; a coisa mais maluca que fiz para tentar explicar o que se sente, foi dar com a ponta do indicador na parte de dentro de uma bochecha. Com alguma força, mas não muita. O suficiente para um altinho sair da bochecha. Agora é mais ou menos isso, mas mais forte e na barriga. Nos lados, na bexiga, no estômago, onde calhar.
Estes são os pontapés das 24 semanas.

Mais tarde esta imagem já não vai servir, mas então eu vou fazer mais experiências malucas e tento encontrar uma que se aproxime mais, dessa fase em que o feto começa a parecer o Figo a marcar golo cheio de tónus muscular naquelas pernas de Adónis treinado.

Tudo suave por agora. Chutinhos doces. A coisa segue.
:-)
Cada dia só precisa de ir passando ao passar.

Agora não posso que estou a ver os desenhos animados

:-)
Liguei para saber como estavam, mãe e filha. Primeiro falei com a minha mãe e ela depois chamou a minha filha que disse que não podia vir porque estava a ver os desenhos animados. Ou seja, em linguagem de filha:
- Estou feliz, não preciso de nada, e posso dizer espontaneamente o que sinto, porque me dás espaço para isso e amas-me na mesma.

Não me importo. Eu também só ia fazer conversa. Em linguagem de mãe eu só quis dizer:
- Penso em ti, é importante para mim saber se estás bem, se estão a tomar bem conta de ti e se estás alegre e com saúde.

Ambas dissemos o que tinhamos a dizer sem dizer nada. Mensagem transmitida. Fiquei a rir.
Ser mãe às vezes também é rir. Rir de pequenas coisas que parecem sem importância mas que têm uma enorme importância porque brotam diretinhas do cerne do amor entre as pessoas importantes para mim. Estas pequenas coisas.

...muito bom. E muito simples.

terça-feira

Não vou por aí

Nunca sabemos que efeito produz o efeito que queríamos produzir.

Tu por exemplo, quiseste fazer-me sentir inteligente, e eu senti-me bonita.
Outras vezes se me dizem que estou bonita sinto-me inteligente.
Outras ainda, se me dizem para ficar calma, enervam-me. E se me dizem que me devia insurgir fazem-me sentir compassiva.
Também se me dizem para agir rápido, apetece-me ponderar.
E se me apelam à prudência, apetece-me agir.
E se me dizem "descansa" apetece-me continuar. E se me dizem "trabalha mas é" apetece-me ir apanhar ar.

Por mim tiro os outros. O que resultará do que digo? O que resultará do que tento transmitir? Uma coisa, ou o contrário dela? Ou nada?

É difícil ser impermeável à influência, vivemos mergulhados na poção mágica da vida comum. É difícil não viver num estado condicionado e estupfaciente, quando tudo provoca reacção, seja essa ou a oposta.

Sentia-me horrível, gorda e inerte. Vi-me hoje de passagem em vários espelhos que não me falaram bem de mim mesma.
Depois disseste-me coisas boas de mim, do que penso e digo e a vez seguinte que passei num espelho, o meu cabelo estava bonito e sorri por me sentir melhor comigo.
Não era o teu objectivo, nem tinhas objectivo, sequer. Mas foi o resultado, que como veio de ti, e como o que vem de ti vem bom, fiquei contente e as coisas melhoraram para mim.

Gostava de me aperceber mais vezes deste mecanismo da minha cabeça, que porque não controlo me controla, porque nem tenho consciência no pleno momento em que sucede, de ter sempre essa resposta ao contrário.
De ouvir:
- Vai por aquele caminho
e os meus pés responderem sem saber
- Não vou por aí.

A minha árvore


A minha árvore vem de há muito tempo e tem raizes que se estendem por muitas histórias de muitas pessoas.

Posso dizer que é uma árvore com boas raízes, com algumas ramificações profundamente doentes; que me trouxeram no tempo uma informação boa, que me permitiram construir de mim um bom tronco, colorido com traços de obstinação que procuro gerir com o amor que o lado bom me deu, como a família curando-se a si mesma, por intermédio de uma história de vida que agora é a minha e a dos meus ainda vivos, e no futuro de outros será.

A minha árvore não tem limites visíveis, é colossal e vem de todos os tempos, não faço ideia até que níveis se propague, mas vivo-a apenas em mim neste pequenino momento de mim.

Escusado será dizer que a esmagadora maioria morreu. Vivos somos tão poucos que em vez de uma árvore mais pareciamos uma folha desistente caída no chão do Outono. Pelo menos foi assim que eu vi, quando andava mais esmorecida da alegria.

Já não vejo as coisas assim, embora não saiba bem como ver. Já não sinto que a minha árvore esteja morta, embora não lhes possa telefonar. Posso escrever-lhes cartas, posso fazer-lhes desenhos e sem dúvida deixar-lhes recados bonitos por onde passo, numa pequena flor que pouso num muro, num pequenos sorriso que deixo discreto pousado numa paisagem bonita que eu decida oferecer de lembrança, dos tempos em que andaram por cá, sabe-se lá em que alegrias e exasperos.

A minha árvore veio a tornar-se uma parte viva de mim, não sei bem como nem me interessa. Veio a fazer parte do olhar com que olho e do sentimento com que sinto as sensações que a vida me traz de oferta a cada pequena grande escolha que faço.

Honrar tudo isso começou por ser o meu espelho de doença, o meu reflexo de dor antiga, quando a co-dependência me movia como um motor partilhado, por toda a informação antiga que me dizia que amar é sofrer pelos outros.

Agora honrar todas essas histórias, pessoas e vidas; passou a ser estar em paz comigo, já que é a única forma exequível de encontrar acordo entre todos esses ramos de árvore, que poderíam pedir em mim reflexos de traços incompatíveis como essas pessoas seríam se tivessem de caber numa só.
Eu não sou muitas dessas alternativas de mim. Sou esta. E é nisso que honro a minha árvore.

Com a insanidade que recebi dos ramos doentes, eu ganhei uma oferta importante. Reconhecer a insanidade no outro, compreendê-la por dentro, aceitá-la e deixar que seja, sem morrer por isso naquilo que de bom eu sou.
Também ganhei a capacidade empática de compreender que a dor nem sempre queira mudar, que o sofredor nem sempre queira ser feliz, nem o superficial profundo, nem o frágil forte,... As pessoas às vezes só querem mesmo ser quem são. Como as da minha árvore foram. E pronto. Acabou.
Agora é outra história.
A minha a que tenho direito.
A minha que prolonga a vossa pelo caminho que eu escolher.
E um dia outros continuarão a contar a nossa história. O nosso património genético, intelectual e físico, o nosso livro, a nossa árvore e os nossos filhos.

A coisa maravilhosa das árvores é que libertam sementes ao vento para que novas árvores crescam, cheias do que a árvore mãe foi, mas com uma história nova e livre para contar.
E nunca uma árvore se lembra de decidir optar pela mentira de tentar ser outra coisa, para parecer menos árvore do que é.

Um filme que o meu irmão fez

Sugiro que pausem até carregar todo para não ir aos bochechos.

Pânicos em cascata

Rio-me de pensar neste absurdo, mas só me rio uns nervosos segundos porque no fundo não tem mesmo piada nenhuma.
Quando éramos gente primitiva, colectores e nómadas, quando Prometeu nos deu o fogo; e a árvore a consciência da nossa nudez; e quando essas histórias verdadeiras e simbólicas nos mostravam estoicos, indefesos e pequeninos num mundo de predadores terríveis, escassez e um incompreensível mundo sem causa e consequências bem defininas... éramos assumidamente frágeis. Estávamos sempre a um segundo da morte certa, e no milagre de uma vida que resistia nos nossos corpos aflitos e animados das forças que animavam todas as outras criaturas.

O Calvin tinha uma tirinha de BD onde brincava com uma casinha onde vivia um senhor velhinho.
Esse senhor velhinho, além de velhinho, estava alheio ao facto de que deixara um bico do fogão aceso e tinha na mão uma caixa de fósforos. O que era irrelevante, porque nesse momento um avião despinhava-se a grande velocidade sobre a sua casa. O que também não tinha importância, porque perto passava uma linha de comboio onde um comboio corria louco perdido dos eixos dos carris e iria portanto partir tudo... e mais algumas confluências que faziam daquele segundo do velhinho uma espécie de imagem parada no tempo, do que a vida significava realmente.

Nós, deixámos de ser nómadas (embora alguns advoguem a mobilidade como um sinal de grande evolução e desenvolvimento... com que eu concordaria se não fosse por imposição e necessidade...), mantêmo-nos predadores embora num formato fabril sinistro, agricultores num estilo megalómano que daria para alimentar três planetas do tamanho de Urano, se houvesse lá alguém para alimentar, e se não fôssemos egoistas e doentes o suficiente para deixar morrer à fome até os daqui mesmo.
E sim, consta que fomos à lua, eventualmente. Consta que já juntámos toneladas de cacos em órbita tecnológica à volta do nosso planetinha mãe pequena e fartinha até aos cabelos das nossas excentricidades.

A parte cómica e nada cómica é que nos mantemos na mesma fragilidade neanderthal desses de nós que andavam com o precioso foguinho, a fugir de feras, a fugir de tudo, à procura de tudo, sempre na contagem decrescente para o fim eminente, fosse nas mandíbulas quentes da besta que nos apanhasse, fosse na tribo igualmene aflita que nos usasse para compotas, fosse pelo frio, a doença, e toda a precariedade de sermos criaturas entregues a um meio inóspito e milagroso.

Agora é a gripe A, a guerra, a crise, as alterações climáticas, armamento nuclear capaz de rebentar com isto tudo 10 vezes, e nós somos o velhinho, com o fósforo na mão, sem fazer a menor ideia do grau de miraculosidade que o nosso segundo presente representa perante tudo isso.

Temos fé, temos força, estoicos como sempre.
Cada célula cumpre a sua tarefinha, oxalá sem se atrapalhar, e nós somos embrião, feto, recém-nascido, criança, adolescente e por aí fora, sempre nesse segundo do fósforo.
E nas nossas barrigas vencem a corrida da vida serzinhos fabulosos, com uma capacidade espantosa de adaptação, mudança e resistência. A cada dia, a cada semana, tudo sempre a ser reformulado, modificado, crescido e melhorado. Tudo no mesmo segundo do fósforo.

Pré mamãs deviam estar proibidas de ver noticiários, televisão, e tudo o que nos lembrasse da nossa fragilidade. Ser mãe é em muito continuar apesar do medo, acreditar apesar do medo, investir apesar do medo; mas o medo está sempre presente, e a informação que corre sobre os males do mundo não nos ajudam porque não nos dão soluções, apenas evidências do inevitável acumular de factores de risco exponencial.

Terei este bebé em Dezembro. Passarei o periodo típico das gripes com um marido a trabalhar no aeroporto e uma filha na escola e eu a ter de ouvir uma e outra vez o quanto estou no grupo de maior risco, mas ninguém me diz: "Portanto faz assim, resolve assado"

Para mim, o truque do velhinho do fósforo é este que também uso. Investir na alegria de imaginar que vou ver crescer um maravilhoso bolo no forno e ver esse bolo na minha cabeça com o detalhe que teria se estivesse pronto, na minha mesa, na mesa da minha vida. Os meus felizes e saudáveis, seguros e amáveis, á minha roda, por muito tempo, com alegria, tempo e crescimento.
Porque isto também sempre houve, desde os tempos do foguinho, do Prometeu e do deus das tempestades.
Sempre houve espaço para sermos livres da eminência do terrível.

E eu quero viver aí.

Ter, coisas, património e outros pertences

Por circunstâncias diversas já mudei de casa uma série de vezes e a sensação é sempre a mesma: "De onde veio isto tudo??" Parece que se vive mergulhado num mundo de coisas, que funcionam, mas que não têm uso, porque os dias não me chegam para ter tanta coisa em movimento.

Invariavelmente dou imensa coisa, alguma deito fora, outras coisas não resisto a prolongar em eternas caixas que me acompanham como um rasto pesado de passado que apesar de tudo valorizo.

Quando penso nos meus dias, e no que realmente vivo e faço, eu preciso de espantosamente pouco a comparar com este oceano de tralha. Mesmo assim não deixo de pensar que no meu mínimo está o impensável máximo de 2/3 de população do mundo e esse sentimento também me pesa e culpabiliza.

Roupa, livros, objectos, fotografias, Cd's, papelada, (papelada então...) lençóis, toalhas, tapetes, latas de tinta, um velho televisor, o novo, cabos, malas, taças de vários tamanhos, panelas, faqueiros completos e incompletos...
Caramba...
Frascaria de casa de banho.
E eu só tenho um corpo, uma cara e um couro cabeludo.
Acontece sempre isto.

na casa nova vivi uns dias com a minha filha, para o que levei os "mínimos" e vivemos tão bem com quase nada.
Agora tenho de despejar esta casa, porque para a arrendar tem de estar vazias como as casas apetecem. Apetecia-me despejá-la para algum lugar que não a casa para onde vamos morar. Apetecia-me ter um tobogan inteligente que distribuisse o que tenho por quem o queira deixando-me a mim na paz de ter apenas o que realmente usamos, gostamos, precisamos e queremos.
Espaço corresponde a estes 4 critérios: uso, gosto, preciso e quero.

A noção de património, associado aos livros, por exemplo...
As contas, os cartões, a trapalhada dos bancos agiotas, e da minha necessidade deles, por ignorância e agora engaiolamento.
dívidas, papeladas e burocracias.
A minha cabeça tem algumas gavetas para chatices, e coisas de ter.
São as gavetas que andam mais cheias de indefiníveis excessos que eu nem consigo discriminar.

Depois tenho na cabeça um espaço de liberdade, feito de vontade de caber mais em mim, não para por nada, mas para ter espaço.
Esse espaço quero expandir, dentro e fora.
Sinto vontade de criar uma loja on line e por lá tudo o que tenho pelo preço do envio. É uma ideia que me assalta todo o santo dia. E se não fosse caro, era mesmo o que eu fazia: Agora!

Sendo assim, gosto de me sentir tão demasiado empanturrada de tralha, por se tornar óbvio o que fazer, urgente e mesmo agradável. Às vezes temos de ver de frente as misérias da nossa vida, para encontrarmos finalmente forças para o necessário.

A auto-imagem, o espelho e outras evidências

Não tenho espelhos de corpo completo cá em casa. Vejo-me sempre até dois dedos abaixo da cintura. Não foi propriamente uma estratégia, foi mais uma consequência de não ser uma pessoa muito preocupada com a figura, ou não viveria nos 59 quilos quando sei que 50, 52 quilos são os que me ficam bem.

Enquanto ensacava roupa, veio parar à minha mão um camiseiro preto que vestia até há exaustão não foi assim há tanto tempo. Olhar para o camiseiro foi como olhar para uma roupa que nunca tivesse sido minha, a não ser numa adolescência prévia. Como é que aquilo já me serviu??
Por graça, resolvi vestir a camisa e apareci na sala para mostrar: um palmo afastava os botões das casas no peito e mais de um palmo na barriga.

Uma parte disto tem piada. Tem piada por ter uma razão, e por essa razão ser boa.
Uma parte minha não acha a menor graça ao assunto.

Veio isto porque tive de me chegar à janela para ter rede no telefone e pude ver-me refletida no vidro mais de mim do que é habitual.
Estava de pijama, descontraída, sem disfarces, nem truques, só mesmo eu com roupa à vontade...
É assustador.
Pareço bulímica. Em tão pouco tempo...

Já foram para o Montijo as fotografias de mim com a minha filha com um ano e dois... e eu estava nos tais 50, 52 e estava tão bem.
Agora ela tem 9, eu ainda vou a meio do processo de ganhar peso, e estou um barril.

Existe poesia numa barriguita empinada, na doçura de um rosto que se arredonda e em todo um corpo que se ajeita, comprime e dilata para arranjar espaço para caber mais alguém que não pára de crescer.
Mas também existe algo de sinistro nisto, para um lado feminino crítico que também tenho, e que queria ser linda, e que queria manter-se minimamente interessante e que não gosta de passar bamboleando, assexuada como se fosse mãe de todos, enquanto no frisson de bronzeados e saldos tantas mulheres brilham e se agitam, totalmente alheias ao facto de que eu passei, a pensar talvez, se compensará um carrinho de bebé para todas as fases, ou se ande mas é com ela ao colo enquanto for pequenina de mais para 4 rodas...

O stress, o bico de lacre e os dias


Sou discípula sem o meu mestre saber :-)
Não chego a ser discípula, claro, apenas me inspiram as coisas que aquele homem diz.
Thich Nhat Hanh é um monge budista, vietnamita, que criou em França um retiro chamado Plumvillage e que tem a doçura mais espantosa que alguma vez conheci.

Deixo aqui um cheirinho (sugiro que façam pause enquanto o filme carrega para o verem todo de seguida sem "bechechos"):

Ora o Thich Nhat Hanh fala maravilhosamente da necessidade de nos mantermos no momento presente. Diz-nos que mantermo-nos no momento presente é a única forma de viver, de amar e de estarmos realmente disponíveis para a vida, para nós e para os outros.
Mindfullness é um estado de perfeita atenção e entrega ao que se passa neste preciso momento, que se amplifica com a prática e que nos expande a capacidade de percepção no agora retirando a carga de distração inútil com o que factualmente não existe, por não ser presente.

Mindfullness não é uma forma de meditação na qual nos sentamos a respirar, embora possamos fazê-lo.
É talvez uma forma meditativa de viver, na qual meditamos em tudo o que fazemos, em tudo o que sentimos, e em tudo o que somos, agora.

Mindfull walking, mindfull listening, deep looking, mindfull breathing, são práticas das quais Thich Nhat Hanh fala com uma beleza, uma doçura e uma lógica simples e belíssima que me fazem acreditar num mundo melhor.

Eu, estou aqui, em mudanças sem mudar, sentada numa cadeira, de pijama passa do meio dia. Não posso conduzir, nem carregar pesos. é uma boa altura para praticar o mindfullness do Thich Nhat Hanh em conseguir desligar e ficar simplesmente entretida a sentir-me como me sinto e pronto.

Lembro-me do bico de lacre que trouxemos da loja no outro dia.
O bico de lacre é um passarinho incrívelmente pequeno e frágil, cheio de energia e de vitalidade, mas muito, muito pequenino.
Estava na loja numa gaiola juntamente com canários, mandarins e até um pardal de Java que é 10 vezes o tamanho do bico de lacre.
Entre pássaros mais enervados ou mais calmos, mais agressivos ou passivos, o padrão é que todos estavam a mais naquela gaiola pequena demais para tantos bichos diferentes.
Enquanto uns se picavam e outros se encolhiam, o bico de lacre em pleno stress picava o seu próprio peito minúsculo que sangrava.
A minha filha não aguentou ver aquilo e pediu-me por tudo que o salvasse daquele tormento.
Responsabilizou-se por ele e eu também tive dificuldade em abstrair e trouxemo-lo para casa, onde ficou sossegado, com comida e água, sem ataques e sem liberdade para voar e ser um bico de lacre realmente vivo.
A verdade é que ele não sobreviveria um dia em liberdade. E não sei quantos sobreviveria naquela gaiola de loja.
No momento presente ele tem o peitinho todo compostinho, não se pica, não se stressa. A minha filha está provavelmente na praia com as amigas da avó e eu estou aqui a querer decidir para mim própria que quero ser como o meu mestre.



Estou em mudanças, grávida e com ordens para ficar quieta. E custa-me. Mas não vou picar no meu peito. Vou aceitar a gaiola por agora. Porque agora está tudo bem.

Terça passada ecografia morfológica


Terça feira passada foi um dia cheio e pequeno, daqueles dias importantes, pelos quais esperamos e que depois acabam num anti-climax estranho porque afinal foram apenas mais um dia da caminhada.

Este ecografia estava marcada há mais de dois meses. Era uma ecvografia charneira, porque marcava o dia em que começaríamos a realmente acreditar, a sentir coragem para contar à família mais distante, saberíamos se era menino ou menina, saberíamos se as coisas estavam realmente a evoluir bem, ou se teríamos algum assunto grave e doloroso para resolver nos próximos tempos.

Confiamos no melhor, sempre com uma pontinha de medo surdo, porque a razão pela qual esta ecografia se faz prende-se com o despiste de deficiências e dificuldades, e não pelo show dos pais poderem ver os seus fetos tipo peixinho num aquário invisível.

Felizmente a palavra que mais pedi, foi das que mais ouvi:
- Perfeitinha.

Era uma menina. Foi a primeira imagem. Logo ali à minha vista, inequivocamente uma menina.
Depois lá se rebolou, dançou, nadou, borbulhou, mexeu pernas, braços, dedos e tudo o mais.
A maior parte daqueles 16 minutos gravados foram um mistério para mim: estômago, válvulas, vesícula biliar, rins, cérebro, coração, intestinos... tanta coisa visível apenas para quem sabe ver.
Eu só sei ver o óbvio se for reconhecível: Nariz, mãos, pés, queixo, cabeça, pernas... Essas eram as imagens fugazes e menos medidas, mas que recebi de bónus com o "perfeitinha" a descansar um a um os meus receios de pré-mãe.

Saí de lá estranha, foi tudo muito rápido. Dei a boa nova aos mais próximos que estavam nuns quase nervos. Não são bem nervos porque as pessoas andam nas suas vidas, é só uma inquietação de fundo que encontra alívio completo num simples: "está tudo bem".

E estava.
Havia uma pontinha de algo para verificar. Nada de preocupante, garantiram. Às 28 semanas lá irei, só para nos certificarmos de que não há realmente nada de preocupante.
Devo ter tido uma hemorragia da qual não me apercebi por ter sido interna e sangue terá ficado no líquido amniótico e desde que a bebé começou a beber líquido amniótico encontraram vestígios de sangue nos intestinos, o que sería o meu pânico completo por ter perdido um pai com cancro no cólon e o assunto "sangue nos intestinos" ser um tema agudo para mim. Não foi o pânico porque a médica garantiu que é perfeitamente normal isto suceder, e que o feto estava em condições demasiado boas para haver algo complicado; que tería sempre outras implicações.

A bebé pesava 594 gramas, estava fortinha e cheia de energia, com tudo a funcionar em pleno; comigo também até eu ter chegado ao fim de semana e ter-me armado em mulher-maravilha e ter acabo no Sta Maria como se lê na mensagem anterior.

:-)
Dia 28, portanto, há mais.

Não controlamos nada? Ou controlamos surpreendentemente muito?

Cá estou eu. As mudanças continuam... a não continuar propriamente.
O contrato começou em Julho, era o mês em que iríamos instalar-nos lá, eu e a minha família, vagando esta casa onde vivo agora para a arrendar.
Metade dos móveis continuam meio cheios, os sacos andam por aqui, pelos quartos e sala, e eu tive o prognóstico: Não posso fazer nada disto que tenho para fazer.

Sexta e sábado estava contente, finalmente começava a ver-se alguma coisa a acontecer. No contentamento talvez tenha perdido a noção do esforço razoável.. não sei, eu diria que foram apenas dias normais, mas o corpo deu sinal.
Domingo liguei para a saúde 24 e daí segui para o hospital de Sta Maria onde um fax me aguardava dizendo:
- Gravida de 23 semanas com dor permanente há 8 horas.

Ordens do médico:
- Uma semana calminha. Uma semana calminha é andar aqui por casa, ver televisão, cozinhar coisas simples sem ser de forno, não me dobrar, não pegar em coisas que pesem mais de 2 quilos e mesmo as mais leves nunca do chão, só de cima das mesas...

E eu com plantas no Montijo para regar, com coisas para tratar, com os sacos pela casa, com tanta coisa para despejar... Não posso fazer nada, porque não posso correr o risco idiota de ir lá outra vez daqui a uns dias encarar o olhar incrédulo do médico:
- "Então mas o que foi que eu lhe disse??!!"

Fui eu que me trouxe até aqui, a este momento de mudanças, de gravidez, e até mesmo de repouso forçado na medida em que exagarei.
E no entanto, como pode isto ser? Como é que pode suceder, de precisamente quando estas mudanças precisavam de acontecer, tudo parece contribuir activamente para que eu tenha de ficar aqui quieta, com o tempo a passar e as coisas com este grau de complexidade?

A minha mãe e a minha filha foram juntas de férias para a praia, não pude levar-lhes as malas nem levá-las ao comboio como sempre fiz e faria. Lá me despedi delas, carregadas como campistas, a minha mãe nervosa, a minha filha ansiosa, as duas prontas, lá foram.
A minha filha fez a mala sozinha, com 9 anos, preparou tudo para duas semanas de férias. Não faço a menor ideia do que vai naquela mala.
Eu estive deitada, sem conseguir andar nem estar de pé.
Agora estou muito melhor, não sinto qualquer impedimento físico, mas existe um impedimento de culpa e sentido de responsabilidade para com uma criaturinha que de vez enquando me chuta o estômago, a bexiga ou onde calhar, enroladinha, fetal e oxalá serena porque a mãe escolheu parar e esperar que tudo ande mesmo sem mim a fazer a minha parte.

sábado

Preocupações em trança

Uma trança faz-se com três fios. Ou 6. Ou outros múltiplos de 3 se for uma trança simples.
Podem ser três madeixas de cabelo ou de lã, por exemplo.
Uma trança é uma dança que se faz a três, por isso é que se chama trança.
Uma preocupação em trança é uma preocupação que se faz de três fios de assunto que se entrelaçam e envolvem até que fazem um corpo único que se sente em alguns momentos nos quais não sorrio com a mesma leveza.
Um fio é o dinheiro. Não me tenho sentido uma boa gestora de dinheiro. Sou melhor a fazê-lo do que a gastá-lo racionalmente e tenho feito despesas desmesuradas por pura felicidade.
O outro fio são os meus animais que são ao mesmo tempo um factor de culpa e vergonha, porque os adoptei por impulso e agora reconheço que a minha vida está bem mais complicada pelo facto de os ter, porque precisam de muito mais do que alguma vez imaginei. Gosto deles e dos olhares deles e de praticamente tudo neles. Excepto em tudo aquilo que sinto provocar desaprovação das outras pessoas sobre mim mesma.
E principalmente excepto tudo aquilo que me faz duvidar da minha eficácia e critérios.
Fazem barulho e sujam que se farta. Isto é um facto.
A outra preocupação não consigo falar dela agora. Mas as semanas passam e ela está presente, sobretudo de noite, porque a noite sempre vem aguçar as minhas preocupações se eu não tiver o cuidado de dormir a tempo.
Se acordo a meio da noite é que são elas, e isso sucedeu e é talvez por isso que neste momento estou a falar deste assunto em lugar de ir regar as plantinhas e aproveitar um dia maravilhoso que este também pode ser.

Bem...
Por falar nisso vou mas é regar as plantas.
Também tenho alguma roupita para lavar.
Hoje vai ser um loooongo dia. Mas no final, dizem que os dias duram todos o mesmo...
Não sei.
Acho que não.
Não os meus, pelo menos.