sexta-feira

Papel, função e afirmação

Às vezes parece que somos uma impressão de off set, feita por sedimentação de muitas camadas de impressão, até ficar bem complexo e confuso o resultado.
A impressão é exterior ao papel, é algo que lhe acontece, ser impresso.
Existe uma película que não chamei filtro porque pouco filtra, que separa de forma diáfana e vaga o dentro e o fora e onde a impressão se dá, de forma tão "sempre", tão absoluta e simbiótica que torna muito difícil encontrar a camada, a parte, onde podemos ir à impressão e apagar; essa parte da históra.

Em lugar de apagar, outras camadas sedimentam imagens e imagens de nós mesmos, numa maneira de estar e sentir o dentro, que é visceral e consequente.

Alguns acontecimentos marcam com tons mais fortes, que aparecem sempre à superfície das novas porções de nós, com coloridos que vão alterando um pouco, o significado mas não o acontecimento em si.

E do dentro, do dentro translúcido e "desimpressionado" da nossa génese profunda, grita ainda surda e perdida uma voz cujo grito se propaga em ecos longínquos, puros e belíssimos, de um tempo espaço agora, em que existe Eu sem nada que me diga quem eu sou.

Essa sedimentação, esse acumular de histórias que me conto sobre mim mesma a propósito da vida que "me acontece" a mim que "sou esta", é uma forma de crescimento que chamo crescer, que chamo maturidade, mas que pode não ser nem uma coisa, nem outra, e ser apenas o fogo de artifício da minha fricção dolorosa e sofrida com o mundo mentira que as minhas versões-mentira do mundo que fazem sentir a cada novo embate, a cada nova oportunidade perdida de ver o quanto estou a ficar longe de mim.

Digo: Tenho esta impressão do mundo, mas o mundo é que me tem, na impressão que fez em mim que penso que vejo e afinal estive sempre cega para o que existia de mim aqui.

Tem sido sempre assim. E eu sei, porque o resultado no coração apertado de quem tenta viver esses filmes, é esta pequenez de recursos de dentro, esta mesquinha versão da minha historinha sofrida de mulher pequena grande que ficou na primeira letra da frase que tinha uma vida para escrever, mas não escreveu.
Ficou na primeira letra e outros continuaram a frase por ela e ela limitou-se a ler e a tentar concordar; o que foi sempre mais fácil à superfície perdida, do que no dentro ancorado ao momento 1 do mais brilhante de mim.

Eu tenho um papel. Tenho uma função e afirmo que tudo isto até agora, foi uma espécie de grande alteração de humor, uma espécie de síndrome pré-menstrual que durou todo o tempo que havia e foi.
Nesta fracção fugidia, neste microsegundo de uma quase respiração que faço, eu tenho um papel limpo, uma função clara, um espaço translúcido por onde passa a luz que trouxe, quando um dia nasci da força colossal da vida do mundo, cria das mãos loucas e doces da históra deste meu cosmos-planeta.

E nesse papel, e nessa função, acorda brotando um fogo novo, que deixa de ser meu, porque serve para colorir o mundo. Da cor que eu, desta vez escolher, para oferecer.

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