quarta-feira

Birra para dormir

Os miúdos fazem isso. Birra para dormir. Parece que quanto mais cansados estão, menos querem ir dormir.
Dormir deixa-nos vulneráveis e é-nos indispensável. É um mix de gosto duvidoso. Desde sempre, no sono estamos vulneráveis porque viajamos num barco doido, que nos leva para um mundo diferente e nos tira daqui.
Fica o nosso corpo sozinho, abandonado ao metabolismo mínimo, com os sentidos neutralizados e a respirar apenas o suficiente para não morrer.

E no entanto morre-se um pouco. Morre-se para esse dia. Morre-se para quem se foi nesse dia. Sai-se do meio físico e vai-se para um meio onírico onde as regras são outras e de onde voltamos horas depois, iguais e diferentes, porque nunca nada é igual.

Os miúdos não pensam em nada disto. Quando estão muito cansados fazem birra porque estão frustrados e, frustrados fazem resistência a tudo, principalmente se tudo for dormir, serenar, entregar, deixar ser.
Nós inventamos mil coisas, damos nome às nossas faltas de serenidade. Eu digo que não quero ir para a cama porque tenho medo de dormir aqui sozinha, tenho medo dos assaltos, da violência, do absurdo do mundo.
Gosto de dormir, mas gosto mais de estar vigilante, com o telefone por perto, como os outros gostavam de ter a fogueira por perto, pela noite fora, não fosse alguma fera lembrar-se de se armar em esperta.

Não gosto de ir dormir quando me sinto vulnerável. Chateia-me ter sono. Queria ir dormir quando estivesse contente e a sentir-me completamente segura.
O mundo... é seguro?
É.
Quando é.
Outras vezes não é.
E eu nunca sei quando são essas vezes.
Excepto que por uma questão de probabilidades, é altamente improvável que hoje o meu mundo seja mais inseguro do que em tantos milhares de noites em que já dormi em paz.

Mas é uma coisa esquisita. Que me cola à cadeira e não me deixa ir, dormir.
Fica a luz acesa tantas horas, para dizer:
- Olhem que aqui estamos acordados, estamos alerta.
E eu vou dormir.
com o telefone ao lado.
just in case....


Somos miúdos indefesos a vida toda.

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