terça-feira

A minha árvore


A minha árvore vem de há muito tempo e tem raizes que se estendem por muitas histórias de muitas pessoas.

Posso dizer que é uma árvore com boas raízes, com algumas ramificações profundamente doentes; que me trouxeram no tempo uma informação boa, que me permitiram construir de mim um bom tronco, colorido com traços de obstinação que procuro gerir com o amor que o lado bom me deu, como a família curando-se a si mesma, por intermédio de uma história de vida que agora é a minha e a dos meus ainda vivos, e no futuro de outros será.

A minha árvore não tem limites visíveis, é colossal e vem de todos os tempos, não faço ideia até que níveis se propague, mas vivo-a apenas em mim neste pequenino momento de mim.

Escusado será dizer que a esmagadora maioria morreu. Vivos somos tão poucos que em vez de uma árvore mais pareciamos uma folha desistente caída no chão do Outono. Pelo menos foi assim que eu vi, quando andava mais esmorecida da alegria.

Já não vejo as coisas assim, embora não saiba bem como ver. Já não sinto que a minha árvore esteja morta, embora não lhes possa telefonar. Posso escrever-lhes cartas, posso fazer-lhes desenhos e sem dúvida deixar-lhes recados bonitos por onde passo, numa pequena flor que pouso num muro, num pequenos sorriso que deixo discreto pousado numa paisagem bonita que eu decida oferecer de lembrança, dos tempos em que andaram por cá, sabe-se lá em que alegrias e exasperos.

A minha árvore veio a tornar-se uma parte viva de mim, não sei bem como nem me interessa. Veio a fazer parte do olhar com que olho e do sentimento com que sinto as sensações que a vida me traz de oferta a cada pequena grande escolha que faço.

Honrar tudo isso começou por ser o meu espelho de doença, o meu reflexo de dor antiga, quando a co-dependência me movia como um motor partilhado, por toda a informação antiga que me dizia que amar é sofrer pelos outros.

Agora honrar todas essas histórias, pessoas e vidas; passou a ser estar em paz comigo, já que é a única forma exequível de encontrar acordo entre todos esses ramos de árvore, que poderíam pedir em mim reflexos de traços incompatíveis como essas pessoas seríam se tivessem de caber numa só.
Eu não sou muitas dessas alternativas de mim. Sou esta. E é nisso que honro a minha árvore.

Com a insanidade que recebi dos ramos doentes, eu ganhei uma oferta importante. Reconhecer a insanidade no outro, compreendê-la por dentro, aceitá-la e deixar que seja, sem morrer por isso naquilo que de bom eu sou.
Também ganhei a capacidade empática de compreender que a dor nem sempre queira mudar, que o sofredor nem sempre queira ser feliz, nem o superficial profundo, nem o frágil forte,... As pessoas às vezes só querem mesmo ser quem são. Como as da minha árvore foram. E pronto. Acabou.
Agora é outra história.
A minha a que tenho direito.
A minha que prolonga a vossa pelo caminho que eu escolher.
E um dia outros continuarão a contar a nossa história. O nosso património genético, intelectual e físico, o nosso livro, a nossa árvore e os nossos filhos.

A coisa maravilhosa das árvores é que libertam sementes ao vento para que novas árvores crescam, cheias do que a árvore mãe foi, mas com uma história nova e livre para contar.
E nunca uma árvore se lembra de decidir optar pela mentira de tentar ser outra coisa, para parecer menos árvore do que é.

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