segunda-feira

Decisões e confinamento

Tomar ao mesmo tempo decisões que se opoem é uma boa maneira de não conseguirmos cumprir as nossas decisões.
É uma arte, digamos assim.
Eu tenho sido um Dali, um Picasso dessa arte.
Tão sublime, tão sublime, que às tantas já nem eu percebo se estou na fase azul, ou se é da minha vista.

Ao mesmo tempo resolvi que era altura de vivermos juntos, de encontrarmos uma casa maior, de irmos para um lugar onde pudessemos construir uma vida nova, com mais comodidade, proximidade e com um sentido mais sentido daquilo a que eu fui convencionando chamar família.
Ao mesmo tempo eu sabia que a minha parte desse pacto era a minha ocupação quase em exclusivo á tarefa de manter este ninho limpo, bonito, "bom de chegar", com pessoas, com ar fresco e com cheiro a casa de uma família feliz.
Ao mesmo tempo eu sabia que eu não ia poder fazer nada disso. Tenho energia para pouco mais do que um banho e pôr a loiça na máquina. Tenho costas para pouco mais do que apanhar alguns sapatos do chão. Tenho paciência para pouco mais do que dois ou três latidos de cão. Tenho dinheiro para pouco mais do que dois iogurtes.
Ao mesmo tempo tenho a cabeça cheia de sonhos e de antevisões de mim, neste matriarcado que será a minha vida, aberto e abudante para quem queira fazer parte da história de amor que decidi que sería a minha vida.
Ao mesmo tempo estou sozinha, num mundo meu, onde não dei com portas por onde possam entrar os que tenham a chave certa para o tipo de ambiento solto, saudável e alegre no qual quero ver crescer as minhas filhas.

Aluguei uma casa de uma senhora muito nervosa que não queria alugar a casa, mas queria. Uma como eu que decide sim e não ao mesmo tempo.
Não posso espetar um prego, e durmo nos sofás que ela escolheu e que os meus animais não podem sujar.
Por isso tenho os animais todos tão confinados como eu, que também não posso colocar toalheiros na casa de banho, porque não vou furar azulejos onde nem sei onde passam os canos.

Está tudo velho e rachado aqui. E eu tenho sempre receio que as coisas despenquem na minha mão e eu não tenho dinheiro para compor as coisas.
Estou habituada a viver em casas minhas, onde o que se estragasse só me chateava a mim. E estou habituada a viver em casa mais novas, onde as paredes não abrem foles de humidade, e onde o tecto sobre as escadas não tem já marcado o desenho por onde a casa vai partir ao meio.

Hoje acordei com o pijama perfeito, dormi bem, calcei as pantufas perfeitas, soltei os cães no quintal, fui comer qualquer coisa.
Uma desordem terrível.
Tenho uma família funcional no amor, mas disfuncional no funcionamento. Ninguém foi às compras, ninguém tem dinheiro. A casa estava impecável sexta, domingo já estava uma badalhoquice e a cozinha está cheia de moscas.
Mas adoramo-nos todos, e por isso conseguimos sorrir e pensar que isto é uma fase.
"É sempre uma fase"
A vida em si é uma fase.
Este momento não tem como não passar, aliás uma cama de parto suga-me e eu sei que vou lá parar, e sei isso com tanta confusão de sentimentos que quase queria ir já para lá, e resolver isso já.

Estou a dois dias de entrar na semana 35.
A médica falou da semana 38 e uns dias para a bebé nascer.
Confinamento dentro do milagre.
Os milagres, têm paredes grossas e podem não ter portas nem janelas. E podemos acordar em pleno milagre, ter o coração contente com essa sorte, para logo a seguir vermos que não dá para respirar e fica-se um bocado na dúvida se milagre e identidade não será outro sim e não, que misturados numa vontade resultam num "talvez" a toda a volta.

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