quinta-feira

Mulheres em casa, mulher trabalhadora.

Quando eu era criança a minha avó ficava comigo algumas semanas no Verão de todos os anos e a minha mãe não se cansa de repetir uma frase que ela não se cansava de repetir à minha mãe:
- "Se esta menina fosse educada numa casa como deve de ser ia ser uma dona de casa óptima, porque é tão ajeitadinha, tão arrumadinha...! Uma pena!"

Claro que critérios são critérios e para a minha avó "uma casa como deve de ser" era uma casa da qual a mulher se ocupava à velha moda antiga: Ficando lá.
Para a minha mãe, que saíu de casa aos 15 para estudar, e que se licenciou em biológicas quando as pouquíssimas mulheres que se formavam era em música ou para serem professoras primárias... "uma casa como deve de ser" era uma casa onde alguém limparia tudo enquanto ela trabalhava e nós estudávamos para "um dia sermos alguém".

Claro que "ser alguém" também é uma daquelas frases nas quais cada um mete o que lhe parece. Para a minha mãe "ser alguém" era um conceito relacionado com trabalho/possibilidades/desempenho.

Para mim "ser alguém" é ter nascido e ainda não ter morrido. E mesmo quando se morre ainda pode calhar de sermos alguém durante muito tempo. Depois se calhar passamos a ser "algo" mas já não "alguém" no sentido nominável.

Como num diapasão as coisas parecem seguir do tic para o tac e do tac para o tic. Da mulher presa em casa fomos para a mulher que se liberta, e desta fomos para a mulher que fica presa na rua e já não pode ficar em casa.
Ao tic tac geracional das famílias e dos indivíduos corresponde com algum delay o tic tac de um contexto cultural que invariavelmente está do lado de uns contra os outros.

Assim, se já foi "o certo" a mulher ficar em casa. Depois passou a ser "o certo" a mulher fazer carreira. E neste momento uma mulher ficar em casa está para o colectivo como antes uma mulher trabalhar. Um dos lados parece ter sempre de ficar com o galardão do embaraçoso.

Certo é que feitas as contas eu percebi que se eu pagar almoço, atl, infantários, doméstica e se eu investir em tudo o que é necessário para eu ir trabalhar, desde as refeições fora, aos gadjets necessários, roupas, acessórios, material, gasolina ou passes, etc... Eu não consigo pagar o meu trabalho.
E além disso, entretanto desamparei a minha filha, fui contra a minha natureza que me impele a estar presente para as crianças mais do que tudo, e alguém ficou na minha casa a fazer as minhas coisas e a tomar conta e a educar as minhas crianças à sua maneira. Não à minha.

Estas foram as minhas contas, acerca de um mundo visto pelos meus olhos.
Mas não consigo abstrair.

A verdade é que fui educada para o oposto disto. Sinto-me totalmente impreparada para o desafio do meu dia de hoje.
Aqui estou eu, na minha vida de sonho, grávida como sonhei, com a vida familiar que eu queria... e não sei para onde me virar.

Sinto-me fisicamente muito pesada pela gravidez e pelo calor de um Verão que insiste em manter os termómetros em alta. Sinto-me uma nulidade em organização e arrumação.

Esta casa tem imenso espaço, para viver e para limpar e arrumar. Tem imensa vida, a gerar alegria e entropia e eu, estou como quero, mas muito longe de estar á altura do desafio que aceitei como sendo a minha vida ideal.

Entro amanhã na 30ª semana. 10 para o grande dia, eventualmente.

Algo me diz que isto ainda me vai dar muuuuuita água pela barba.
Pela barba, que não tenho.

2 comentários:

  1. Identifiquei-me com as tuas palavras. Em Outubro estarei como tu, a abraçar esse novo estilo de vida. Ainda não contei a amigos a nossa decisão de ficar em casa e tratar da minha família. Até agora, contámos à minha mãe, que coitadinha, não entendeu. Eu compreendo-a, pois toda a vida lutou para que eu fosse "alguém". Ela acha que irei arrepender-me ao deixar uma estabilidade profissional, não sei...talvez, mas quem sabe do futuro? Tal como com o meu 1.º filho, não me arrependo nada de ter ficado com ele durante quase 2 anos, só me arrependo de ter voltado a trabalhar, e muitas vezes ter faltado ao compromisso que tenho com a minha família. E no final de contas o salário nunca compensou tudo aquilo que perdi. Talvez me arrependa, não sei mas agora acredito que é a melhor opção. Tentarei fazer o melhor que posso, procurando sempre ter como objectivo o equilíbrio e a harmonia da minha família, que é algo que não temos conseguido manter, a par com as minhas responsabilidades profissionais.

    Agora há uma questão engraçada: não me apetece contar a amigos e conhecidos esta decisão: as pessoas discriminam, não sei se por inveja, se pelo quê...A verdade é que poucas são as pessoas que reconhecem a validade e exigência da profissão mãe - dona de casa. E como a amiga Oprah diz, difícil não é ser mãe, mas sim ser boa mãe. E eu ultimamente tenho me limitado a ser mãe. Quero mudar isso.
    Beijinhos e boa sorte para ti.

    ResponderEliminar
  2. Também sinto esse desconforto, e essas dúvidas e certezas. Penso que há decisões para as quais nunca teremos uma aprovação total nem tudo poderá correr 100% bem. Mas são decisões que uma vez tomadas, mudam tudo.
    Eu sinto que uma vez que decidi assim, agora é mergulhar de cabeça, tentar aprender tudo, e admitir que vai haver momentos de dúvida e de grande dificuldade.
    Mas já experimentei as duas possibilidades: a mulher trabalhadora e a mulher em casa, e não sinto nenhuma vontade de voltar ao modelo talvez socialmente mais desejável no nosso contexto cultural.
    Azarito!
    Se achares bem, vamos partilhando conquistas e dificuldades, perguntas e respostas.
    Se vamos no mesmo barco, mais vale falarmos sobre isso :-)

    ResponderEliminar